Thayana Pereira, 23 anos, dedicou o fim da adolescência aos estudos. Formou-se em técnica de enfermagem, especializou-se em atendimento de emergência para ambulâncias. Mas poucas oportunidades surgiram na área, todas exigindo uma experiência que ainda não possui. Sem alternativa, começou a vender tapioca no Centro do Rio de Janeiro há três semanas.
“Eu continuo procurando emprego na minha área, mas aqui foi uma saída até que ela apareça. Ajuda a pagar as contas”, diz Thayana, que morava em Maricá, na região metropolitana do Rio, até se mudar recentemente para a capital fluminense em busca da oportunidade que ainda não apareceu. “Passo mais de 11 horas por dia aqui, mas sei que algo melhor vai surgir”.
Thayana é um dos 24,1 milhões de trabalhadores por conta própria do país. Esse tipo de inserção foi o que mais cresceu no ciclo de recuperação da economia brasileira, mas está concentrado em atividades que exigem pouca qualificação e geram menor rendimento. São pessoas sem empregador e sem funcionário, que vivem da renda de autônomo.
Um levantamento inédito da consultoria IDados, feito a pedido do Valor, mostra que 41,7% das pessoas ocupadas por conta própria vivem com menos de um salário mínimo por mês. Isso significa que existem atualmente 10,1 milhões de pessoas atuando como trabalhador por conta própria com rendimento inferior a R$ 998 mensais.
O retrato é mais dramático quando considerado o recorte de rendimento de R$ 300 por mês, o correspondente a R$ 10 diários. Existem hoje 3,6 milhões de trabalhadores por conta própria que recebem valor igual ou inferior a esse, o equivalente a 15% do total de autônomos. É menos que o necessário para comprar uma cesta básica em São Paulo (R$ 493,16).
Bruno Ottoni, pesquisador do IDados, diz que as ocupações precárias são uma válvula de escape para a pouca oferta de empregos. “São trabalhos informais, sem piso salarial e algumas vezes com pessoas sobrequalificadas exercendo. São os trabalhos em que também mais se encontra pessoas em situação de pobreza”, disse o pesquisador.
Os números corroboram a preocupação de especialistas sobre a qualidade da recuperação do mercado de trabalho. Das 3,6 milhões de ocupações geradas desde o segundo trimestre de 2017, período que marcou o início da recuperação do mercado de trabalho do país, quase metade (1,7 milhão) foi ocupada por pessoas que passaram a exercer um trabalho por conta própria.
Desta forma, esse tipo de inserção passou a representar 25,9% dos ocupados no país no segundo trimestre deste ano, um recorde dentro do horizonte de tempo do levantamento da IDados, que cobre a partir de 2012. Os cálculos são baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, que visita 211 mil domicílios por trimestre.
Em relatório divulgado no início do mês, a consultoria AC Pastore mostrou preocupação com o movimento sobre o ritmo de recuperação da atividade econômica. Além das evidentes implicações para o crescimento do consumo, nos preocupa a alta dos trabalhadores que não contribuem para a Previdência, podendo ter sérias consequências para a receita previdenciária no futuro”, afirmou o relatório.
Como outros indicadores sociais, os números mostram-se ainda piores na região Nordeste. Dois em cada três trabalhadores por conta própria vivem com menos de um salário mínimo por mês em Estados como Piauí, Ceará, Paraíba, Sergipe e Bahia. São 4 milhões de pessoas nessa situação no Nordeste.
Essas pessoas estão ocupados em segmentos do comércio e de serviços, como camelôs, ambulantes, pedreiros, motoristas. Uma parcela significativa (2,4 milhões do total) está em atividades agrícolas – em canaviais, por exemplo. Outra parcela está na chamada indústria geral (1,3 milhão de trabalhadores), sobretudo de baixa tecnologia, como peças de roupas ou sapatos.
Para Ottoni, do IDados, o mercado de trabalho deve começar a oferecer oportunidades melhores quando a confiança de empresários subir e o ritmo da atividade econômica acelerar. Com a expectativa mediana dos analistas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) abaixo de 1% neste ano, pelo boletim Focus, do Banco Central, essa recuperação não deverá ser vista neste ano.
“Quando projetamos os números do mercado de trabalho, fazemos uma correlação forte de emprego e PIB. Parte dos analista até está melhorando um pouco a previsão do PIB, por causa da liberação de recursos do FGTS, mas o risco do cenário internacional também se agravou um pouco. Então, a geração de postos formais deve ficar para o próximo ano”, disse o especialista.
Por Bruno Villas Bôas | Do Rio
Valor Econômico (21/8/2019)
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