por: Prof. Dr. Marco Antonio Mitidiero Junior – Departamento de Geociências Universidade Federal da Paraíba
Existe uma relação direta entre os dados e informações de uma sociedade e de um território com a construção e execução do poder estatal. Como defendeu o famoso geógrafo franco-suíço, Claude Raffestin, o Censo é poder! O Estado que detém informações estatísticas as usam para garantir o seu próprio poder, ou melhor, para garantir o poder de determinada classe social sobre as outras. Essa tese pode ser facilmente comprovada na história. Por sinal, não era obra do destino que “todos os caminhos levavam a Roma”, assim sendo, informações “geofrafizadas” sempre contribuíram com a dominação. Entretanto, o Brasil contemporâneo mostrou um contraponto a essa tese histórica. Nos últimos 7 anos, do golpe político/jurídico/midiático de 2016 ao apagar das luzes do governo de extrema direita e de aspirações fascistas de Jair Bolsonaro, não produzir e deter dados e informações estatísticas também passou a ser uma forma de construção do poder. Nessa conjuntura, o apagão estatístico projetado com os diversos tipos de ataques aos órgãos estatísticos e institutos de pesquisa tentou destruir as possibilidades de compreendermos mais profundamente o Brasil e tentarmos transformá-lo. No governo de Jair Bolsonaro, não ter dados é poder. Não é por menos que, em um surto de sinceridade, o ministro Paulo Guedes defendeu a redução das perguntas do Censo Demográfico 2022, porque “se perguntar demais, vai descobrir coisas que não quer saber”.
É por esses tempos dramáticos que vivemos, e resistimos, que a retomada e revitalização dos institutos de pesquisa e órgãos estatísticos, sobretudo do IBGE (diga-se de passagem, foi a primeira instituição a ser atacada, em janeiro de 2019, pelo recém empossado presidente Bolsonaro), apresenta-se como condição para pensarmos e planejarmos a reconstrução do Brasil. Três posicionamentos são fundamentais e perpassam os dados geoestatísticos.
A recomposição do quadro de servidores, técnicos e pesquisadores do IBGE é o primeiro passo. Sem a recomposição dos quadros do IBGE será muito difícil retomar e ampliar a produção de dados. Abertura de concurso público já! E que sejam concursos que abram as portas, mesmo com a pluralidade de formações acadêmicas possíveis, a entrada de profissionais capazes de realizar uma leitura territorial da sociedade e economia brasileira.
A defesa das duas principais bases estatísticas do IBGE: os censos Demográfico e Agropecuário. Os dois censos devem retornar aos trilhos, garantindo sua periodicidade, sua abrangência e seu cabedal de informações. Basta de cortes! Em uma sociedade que vem saindo de uma pandemia de forma destroçada e de um governo federal destrutivo, a produção de dados ganha mais importância. Quais os impactos da pandemia? A crise econômica como consequência dos dois últimos governos produziu fome e desemprego, quais os impactos disso? São perguntas, dentre tantas outras, fundamentais para a reconstrução nacional. Esses dois grandes censos são as principais fontes de dados sobre a sociedade e o território brasileiro – que termine, de uma vez por todas, a tentativa de relativizá-lo e minimizá-lo!
O abandono da ideia de projeto nacional custou muito mais caro do que a fermentada dívida pública ou qualquer crise fiscal e contenção orçamentária. O Brasil descarrilhou, ficou sem norte ou entregue ao Norte. A necessidade de um projeto nacional deve passar pela formação de um projeto de desenvolvimento territorial e sem informações geoestatísticas é como trafegar no nevoeiro. Por isso, as informações que produzem leituras territoriais, que permitem mapear os problemas e questões nacionais, que vislumbrem a relação sociedade x natureza, matérias próprias dos geógrafos – mas não só deles – devem contribuir para a construção de formas mais justas e equânimes de ordenamento territorial; e por que não contribuir com formas de autonomia e emancipação de grupos sociais em suas frações territoriais? Em uma sociedade especializada e territorializada de forma tão desigual e injusta, que tipo de dado estatístico é importante? Aprofundar essa questão é condição para sairmos de um dos períodos mais dramáticos da história desse país.
Se os dados produzem poder, que sejam para o poder popular!
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