A sociedade brasileira enfrenta desafios enormes. As dimensões dos problemas foram discutidas nestas colunas por vários economistas: globalização das finanças numa economia real isolada do mercado mundial, finanças públicas insustentáveis, falta de infraestrutura, declínio do investimento privado desde 1980 e desindustrialização. Nos três últimos anos, cortes em gastos públicos criaram carências de serviços públicos essenciais. O Rio de Janeiro ilustra o que pode acontecer com o resto do país. Bons gestores nos Estados não podem compensar as consequências de uma economia que encolheu 7% em dois anos.
Não é tudo. Uma dimensão pouco discutida dos problemas econômicos é o custo que o setor financeiro impõe à economia brasileira. Em todos os países o setor financeiro tem a importantíssima tarefa de alocar capital aonde gera mais valor, seja em investimento, seja em consumo. Para prestar estes serviços o setor financeiro brasileiro absorve 8% do PIB do país. Ou seja 8% do PIB se destinam a pagar os salários dos que trabalham no setor financeiro e os lucros dos que investem seus ativos no setor financeiro. É uma parcela importante do PIB. A agropecuária mal chega a 6%. A indústria de transformação representa 11%. Nos Estados Unidos o setor financeiro, também absorve 8% do PIB, mas gera um volume de crédito equivalente a 240% do PIB, enquanto que no Brasil gera um volume de crédito equivalente a 110% do PIB. Ou seja, o custo é mais que o dobro.
Este custo tem pouco a ver com os historicamente altíssimos juros no Brasil. O setor financeiro também tem que pagar juros altos sobre os recursos que mobiliza. O custo tem a ver com o spread: a diferença entre os juros que o setor financeiro paga e os juros que cobra. Já em 1999 o Banco Central tinha observado o alto nível do spread. Passados 18 anos, pouco se fez para corrigir estes custos. Uma apresentação do presidente do BC em janeiro deste ano novamente observa os altos níveis de spread e a necessidade de reduzi-los. Um trabalho mais recente da Confederação Nacional da Industria chega aos mesmos resultados e também mostra o spread no Brasil como o maior do mundo: 6 vezes mais alto do que nos EUA, 9 vezes mais alto do que na Europa, e de 4-6 vezes mais alto do que na China, Venezuela e Colômbia. O spread no Brasil está fora das normas, e não por pouco.
A apresentação feita pelo presidente do BC atribui o alto spread à inadimplência, lucros, impostos e despesas administrativas. Os lucros representam 25% do spread. Um quarto de um spread fora das normas se traduz em alta rentabilidade para os bancos. O gráfico mostra as ações do setor financeiro comparadas ao Ibovespa geral e ilustra bem a alta rentabilidade do setor. Uma pessoa que tivesse investido R$ 100 em janeiro de 2005 numa carteira de ações representativa do Ibovespa teria um patrimônio de R$ 275 em julho deste ano. Tivesse esta pessoa investido numa carteira composta exclusivamente em ações do setor financeiro, teria R$ 880, três vezes mais. Estes dados sugerem que o setor financeiro prospera ao custo do resto da economia.
O que explica esta situação? O setor financeiro é um oligopólio. Segundo o último Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central (abril de 2017), quatro bancos detinham 79% do estoque de crédito do país. Um pequeno número de instituições, incluindo as estatais, controla o mercado, controla o spread e assim controla os lucros. O oligopólio não é regulado pelas autoridades monetárias nem pelo Cade. Um exemplo recente é a compra da XP Investimentos pelo Itaú. Esta aquisição vai aumentar mais ainda a capacidade do oligopólio financeiro de controlar o mercado e inibir a concorrência.
Estudos recentes do setor financeiro nos EUA e Europa observam que a desregulação do setor financeiro, em marcha desde a década de 1980, nada fez para aumentar a concorrência e reduzir spreads. Ao contrário, aumentou a concentração e, como é o caso no Brasil, o mercado financeiro nos EUA é controlado por um pequeno número de instituições financeiras com poder de mercado e, talvez mais importante, poder político. O fato do sistema financeiro americano ser mais eficiente que o brasileiro não significa que ele esteja na fronteira da eficiência. Só mostra a distância que o sistema financeiro brasileiro tem a percorrer.
Nos EUA e Europa, sobretudo nos meios acadêmicos, tem-se uma consciência cada vez mais clara de que um sistema financeiro alavancado pode impor altos custos à economia real. Além dos custos associados à ineficiência do setor financeiro tem-se o custo associado às crises decorrentes de empréstimos excessivamente arriscados, à reciclagem dos petrodólares nos anos 1970 e 1980 e à crise subsequente da dívida externa no Brasil e vários outros países; Savings and Loans em 1989 nos EUA; a crise financeira asiática em 1997, a da Rússia em 1999; Argentina em 2000; a crise de 2008 nos EUA; e, mais recentemente, Grécia, Portugal, e Irlanda em 2010-2011. O custo financeiro destas crises foi alto, de vários pontos do PIB, pagos pelos contribuintes. Mais grave ainda, estas crises também tiveram custos econômicos altos: queda do PIB e desemprego.
Há um grande contraste entre a intensidade do debate sobre a previdência e o silêncio sobre o setor financeiro.
Os custos crescentes do setor financeiro levantam dúvidas sobre o valor social da contribuição do setor à economia. A preocupação de economistas com o verdadeiro valor da contribuição do setor financeiro é antiga e persistente. Keynes já tinha comparado o setor financeiro a um cassino. Nos anos 1980 o prêmio Nobel James Tobin escreveu “… estamos dedicando cada vez mais recursos…em atividades financeiras muito distantes da produção de bens e serviços, atividades estas que geram benefícios privados sem relação com sua produtividade social”. Mais recentemente, em 2009, o prêmio Nobel Robert Solow, observou: “… se permitiu ao crescimento do setor financeiro chegar a um ponto onde sua contribuição marginal é provavelmente menor que a instabilidade que ele gera”.
Os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (INSS) são de 8% do PIB, equivalentes aos recursos absorvidos pelo setor financeiro. Justificadamente, tem se destacado o custo da Previdência e a necessidade de controlá-lo. Apesar de sem resultados ainda, o Executivo, o Congresso e o setor privado têm discutido extensivamente o problema previdenciário. Quando se trata do custo do setor financeiro o silencio é grande. Há um grande contraste entre a intensidade do debate sobre a previdência e o silêncio sobre o setor financeiro. Os que vão sofrer de uma reforma da previdência serão 33 milhões de trabalhadores pouco organizados para defender seus interesses. Os que sofreriam com uma reforma pondo limites nos ganhos do setor financeiro são os interesses concentrados nas elites. Isto torna a tarefa de reformar o sistema financeiro mais difícil, mas não menos importante.
Publicado em 11/10/2017 por Valor Online
Carlos Luque é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e presidente da Fipe.
Simão Silber é professor da FEA-USP.
Roberto Zagha, no Banco Mundial a partir de 1980, encerrou a carreira em 2012 como Secretário da Comissão sobre o Crescimento e o Desenvolvimento, e diretor para a Índ
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