RIO – A possibilidade de adiamento do Censo do IBGE para 2022 preocupa especialistas porque pode gerar prejuízos às estatísticas oficiais do país que servem de base para as políticas públicas.
A contagem da população é feita a cada dez anos e seria realizada este ano, mas tinha sido transferida para 2021 por causa da pandemia. Diante da disputa de verbas do Orçamento, porém, o governo cogita adiar a pesquisa de novo.
Trata-se da pesquisa mais completa feita no Brasil, com informações detalhadas sobre a população e as condições de moradia em todos os 5.570 municípios e mais de 70 milhões de domicílios.
Para especialistas, o adiamento do Censo fará com que informações essenciais deixem de ser produzidas, tornando desatualizadas outras estatísticas que se baseiam na pesquisa demográfica.
Estimativas de pobreza para distribuição do Bolsa Família, contagem de falta de moradias e repasses constitucionais utilizam os dados do IBGE. A Pnad Contínua, que mede o desemprego, também usa o Censo como origem das estimativas.
Políticas públicas
Como o Censo é base para políticas públicas, muitas delas estarão descalibradas, com dados de 12 anos atrás. Ou seja, governantes estarão projetando o futuro com base no passado.
— Economiza-se um dinheiro de Orçamento com um Censo, mas as políticas públicas perderão eficiência sem um retrato atualizado numa proporção maior. Serão perdidos bilhões a mais pela falta dessa atualização — diz Sérgio Besserman, economista e presidente do IBGE entre 1999 e 2003.
Na avaliação de Besserman, sem estatísticas, o país deixa de enxergar o impacto da recessão dos últimos anos e da pandemia na sociedade.
— Estamos em 2020, não estamos em 1920. É o século da informação e do conhecimento — argumenta.
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Inicialmente, seriam cerca de R$ 3,1 bilhões para realizar o Censo, mas o valor foi atualizado para R$ 2,3 bilhões. O encurtamento dos questionários permitiria executar a pesquisa com menos recursos, atendendo a um pedido do Ministério da Economia, que buscava reduzir gastos.
Desse total, apenas R$ 1,4 bilhão foi garantido no Orçamento de 2020. O restante ainda dependia de aprovação do Congresso Nacional. Os recursos deste ano, contudo, foram realocados para o Ministério da Saúde, em prol das ações de enfrentamento ao novo coronavírus.
Em contrapartida, havia o compromisso de que a pasta realocaria o orçamento no mesmo montante em 2021, para a assegurar a realização da pesquisa. No entanto, a expectativa é que o recurso seja direcionado a outros ministérios, como o da Defesa.
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Para José Eustáquio Alves, pesquisador e professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, as discussões podem minar a credibilidade da pesquisa e do IBGE frente à população.
— É confusão de cortar questionário, adiar, cortar dinheiro e destinar aos militares. O Censo não é mais a prioridade do país, e a população vai sentir que não estão levando a sério. Aí, quando você for entrevistar, as pessoas não vão responder direito.
Por impactar a distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), a Confederação Nacional de Municípios (CNM) é uma das instituições mais interessadas na pesquisa.
Comparação internacional
Glademir Aroldi, presidente da CNM, diz que a falta da contagem populacional, que é feita sempre no meio de cada década mas que não aconteceu em 2015 por falta de recursos, já vem interferindo na distribuição do FPM — calculado de acordo com o tamanho da população de cada cidade.
Há, ainda, risco dos dados deixarem de ser comparados com os de outros países. A Comissão de Estatísticas da ONU recomenda que censos ocorram em anos zero, como 2020. Mas boa parte deles ficou para 2021 por causa da pandemia.
— Um adiamento muda a capacidade de fazer análises das transformações na sociedade, de planejamento de políticas públicas— diz Ricardo Ojima, presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais.
O Globo – 20/08/2020
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