No contexto da pandemia, quando o assunto são finanças, vida profissional e cuidados com a casa e com a família, as mulheres brasileiras estão mais estressadas e ansiosas que os homens, como aponta pesquisa inédita do Datafolha.
Isso porque, além das crises sanitária, financeira e de trabalho, a pandemia da Covid-19 embaralhou fronteiras entre vida pessoal e profissional, deflagrando uma crise do cuidado.
De acordo com a pesquisa, encomendada pelo C6 Bank, 57% das mulheres que passaram a trabalhar em regime de home office disseram ter acumulado a maior parte dos cuidados com a casa. Entre os homens, este percentual é de 21%.
Outra pesquisa, realizada pela Gênero e Número em parceria com a Sempreviva Organização Feminista (SOF) a partir de dados coletados com 2.641 mulheres de todo o país, apontou para uma maioria absoluta que teve aumento da demanda de preparar ou servir alimentos (80,5%), lavar louça (81%) e limpar a casa (81%).
A demanda por cuidado, no entanto, extrapola a questão doméstica. De acordo com a pesquisa, intitulada “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, 50% das mulheres passaram a apoiar ou a se responsabilizar pelo cuidado com outra pessoa, seja ela um familiar (80,6%), um amigo (24%) ou um vizinho (11%). Entre mulheres negras, este percentual é de 53%, enquanto, entre brancas, é de 46%.
“O cuidado está no centro da dinâmica da sociedade e das famílias, e vínhamos terceirizando esse serviço”, explica Giulliana Bianconi, diretora da Gênero e Número, uma organização que atua na produção e análise de dados para o debate de direitos e gênero. “Este é um momento de reflexão sobre isso porque ficou clara a total incapacidade das instituições de darem suporte neste contexto, abrindo uma crise do cuidado.”
Dentre as mulheres que exerciam atividades de cuidado com idosos, por exemplo, 72% viram a demanda aumentar ou aumentar muito depois do início da pandemia. E 77% das que já cuidavam de crianças menores de 12 anos também viram a intensidade desta atividade aumentar com a pandemia.
É o caso de Andréa Silva Paiva, 44, divorciada e mãe de dois meninos, de 4 e 6 anos, ela trabalha como executiva de uma empresa da área de saúde e viu seu trabalho no escritório adentrar a casa e, com a pandemia, se intensificar como nunca.
“Antes, ficava com meus filhos antes da escola, que começava 8h, e de noite, além de finais de semana alternados. Agora é o dia inteiro. Ficou difícil pra mim, pra eles e para a minha ajudante, da qual não pude abrir mão senão meu trabalho seria inviável”, explica.
Ao acompanhar o intenso cotidiano de trabalho da mãe, as crianças colocaram sobre ela também uma pressão emocional extra, além de reforço na culpa que em geral acompanha a maternidade. “Muitas vezes eles pedem para eu trabalhar menos. E tem dias em que tenho de interromper o trabalho para ficar um pouco com eles e, depois que dormem, retomo o que ficou para trás.”
Economicamente desvalorizado, ou mesmo invisível, o cuidado com pessoas e com a casa é algo, em geral, incontornável.
“Não podemos dizer que essas sejam atividades exclusivas das mulheres, mas, pelo histórico das relações de gênero, esse é um trabalho que recai mais sobre as mulheres”, diz Giulliana. “A pesquisa mostra que uma parcela expressiva das mulheres não viu uma melhor distribuição das tarefas de cuidado desempenhadas por elas.”
Segundo dados de 2019 do IBGE, mulheres dedicavam 18,5 horas semanais, em média, aos afazeres domésticos e aos cuidados com as pessoas, ou 80% mais tempo do que as 10,3 horas semanais médias dos homens.
Durante a pandemia, 64% das entrevistadas indicaram que a distribuição das tarefas de cuidados com a casa e com pessoas permaneceu igual, 23% avaliam que a participação de outras pessoas nessas atividades diminuiu e apenas 13% aponta que aumentou.
“A pandemia agrava essa desigualdade de condição, algo que tende a se aprofundar a médio prazo já que o isolamento está se estendendo para muito mais do que os dois meses inicialmente previstos”, destaca a diretora da Gênero e Número.
Para 64,5% das entrevistadas, a responsabilidade com o trabalho doméstico e de cuidado dificulta a realização do trabalho remunerado, e 40% afirmam que a pandemia e o isolamento social colocaram o sustento da casa em risco.
A pesquisa Datafolha apontou que 18% das mulheres haviam perdido o emprego desde a chegada do coronavírus no Brasil, enquanto, entre homens, o percentual foi de 11%. A pesquisa Gênero e Número/SOF encontrou percentual semelhante ao olhar para o desemprego gerado pela pandemia apenas no universo feminino: 15%.
Entre as mulheres que afirmaram “estar desempregada”, 58,5% são negras e 39% são brancas.
Por isso, o levantamento do Datafolha aponta que enquanto 49% dos homens estão preocupados com a vida profissional, entre mulheres esse percentual é de 59%.
Para Giulliana, esse contexto de estresse das mulheres que vivenciam um aumento das demandas de cuidados e de pressão do trabalho remunerado tende a ser resolvido entre as próprias mulheres, quando deveria gerar um debate estruturante sobre a questão do cuidado. “Com isso, mulheres pobres e negras, mais precarizadas, acabam pressionadas a retomarem suas atividades para render outras mulheres em seus afazeres.”
Fonte: Folha de São Paulo
Fonte: Noticias DIAP
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