Painel 1 do II Congresso Democrático sobre o IBGE – Para este painel foram convidados Virgínia Fontes (Historiadora, doutora em Filosofia e professora da UFF), Maíra Kubík Taveiro (Jornalista, cientista social e professora da UFBA) e Marco Antonio Mitidiero Jr (Geógrafo e professor da UFPB). Publicamos, a seguir, um resumo das intervenções dos palestrantes.
Virgínia Fontes
Historiadora e filósofa marxista, pesquisa o capitalismo contemporâneo e a questão democrática.
As séries de dados produzidas por um instituto como o IBGE devem ser de longa duração e da maior qualidade possível. Devem partir da definição do que se vai coletar, justamente porque vão subsidiar políticas a partir daqueles dados.
Travamos lutas intensas na década de 80 para construir uma democracia que apontasse de fato para políticas universais de caráter igualitário: educação e saúde. Nos anos 90 e na primeira década do século XXI os processos de privatização incidiram sobre essas políticas.
Houve expurgos seguidos no IBGE na década de 90 (Governo FHC/gestão Simon) na construção teórica de que dados devem ser priorizados nas pesquisas e metodologias. Passam a substituir classes sociais por “pobres e ricos”, o que falsifica a realidade, descolando a pobreza da produção da pobreza.
Quanto mais lutas da classe trabalhadora, mais elas vão influenciar a produção de dados pelos institutos oficiais de pesquisa. Onde, como e quanto se extrai de mais valor sobre os trabalhadores? Esses dados não aparecem.
O que isso significa? Não se pode produzir dados numa sociedade de classes sem se perguntar onde está a extração de valor. Se capital é uma relação social e se o Brasil é capitalista, quais são as formas de extração de valor? Interessa isso? Não. Quanto mais se disfarçar a fonte de lucros melhor.
Quem domina na economia? Um pensamento liberal que naturaliza o mercado, que vai exigir produção de dados para naturalizar essa visão. É triste, porque lutamos muito contra isso. Brigamos e evitamos que as coisas fossem ainda piores do eu são.
Gestão Paulo Rabello no IBGE
O golpe de 2016 trouxe Paulo Rabello de Castro para o IBGE – CEDIS (anos 80), depois Instituto Atlântico, para introduzir vouchers para alimentação, entre outros, e organizar as elites para evitar as lutas, convidando empresários e sindicalistas para suas palestras internas. Houve forte penetração dessas entidades na definição e formulação de políticas no interior do Estado brasileiro.
Os indicadores para as classes trabalhadoras têm que ser muito mais refinados do que são. Quem define o que é cada setor de atividade da economia brasileira? Quando o grande capital altera essa estrutura de dados, como os setores de atividade serão traduzidos pela sua atividade real e não pelo lucro que representam?
No setor de serviços cabe tudo, não tem nenhum critério, a não ser o econômico. Todos nós sabemos que a educação se tornou uma indústria. Onde estão as relações de trabalho desses trabalhadores? Se a gente não enfrentar isso vamos ser tratorados pelo sistema. É melhor brigar do que ser engolido sem lutar.
Empreendedorismo hoje
Um terço do pessoal do IBGE é precário, metade dos ativos. Só temos estatística para os que têm contrato e direito. Os que hoje têm direito hoje perderão em breve. Não há mais solidariedade entre gerações.
Não temos nenhum dado regular sobre quanto de mais valor é criado na sociedade brasileira. Mas podemos fazê-lo através de iniciativas do sindicato. Escala e magnitude da produção de mais valor na sociedade brasileira, o que é criado e transferido.
Desde que eu me entendo por gente dizem que o trabalho acabou. É bom lembrar que não pode haver capital sem extração de valor da classe trabalhadora. E quanto mais dizem isso, mais há trabalhadores em condições precárias na sociedade.
Hoje usa-se muito o termo “empreendedor”. O dono da caminhonete é mei e presta serviços a outro que também é mei. Aí tem transferência de valor. Não são capitalistas, embora acreditem que são. Hoje temos uma porção de coworking moderna, startups de empresas. Tudo isso é uma maneira do desempregado tentar sobreviver. A esmagadora maioria será absorvida pelos financiadores.
Estratégia para os tempos atuais
É preciso pensar nas lutas de classes. Inst. Atlântico estava reparando parlamentares contra nós, estava atuando para atacar a educação e saúde universal. E avançaram sobre as lutas populares com dinheiro, financiamento. Luta de favela, de mulher, de negros (ongs), controlavam essas entidades através de relatórios de financiamento.
O Estado brasileiro é atravessado por entidades sem fins lucrativos, com isenção fiscal, recebem recursos públicos. Não temos dados sobre isso, muitos se apresentam como ONGs.
Parabenizo vocês por terem a coragem de refletir sobre o tipo de pesquisas que o IBGE deve fazer. E mais coragem ainda de chamar pessoas de fora para ajudar a refletir sobre isso.
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Maíra Kubík –
Jornalista, cientista social e professora da Universidade Federal da Bahia
Vivemos uma conjuntura das mais difíceis, com o golpe parlamentar jurídico-midiático. Há um brutal corte na área de pesquisa e C&T. A PEC 95 (do fim do mundo) congelou os gastos públicos. Antes disso os cortes já vinham acontecendo. Em 2018 são: – 11% do orçamento para a CNPQ; – 19,5% para o Ministério da Ciência e Tecnologia; – 20% para o Instituto Nacional de Tecnologia, dentre outros. Certamente esses cortes também atingiram o IBGE e o Censo Agropecuário. Isso tem sido apresentado como o horizonte possível.
Quais são os horizontes que precisamos construir? A quem interessa um país sem pesquisa, sem ciência e sem dados? Ao longo do tempo vem se perdendo o papel das pesquisas nos órgãos públicos. Na própria Universidade pública há pesquisas de fundações de caráter meramente privado.
Na área da farmacologia, por exemplo, 89,9% das pesquisas são financiadas por laboratórios nas universidades públicas, para demonstrar que os remédios são um sucesso. Uma relação perversa e antiética. Isso se naturalizou. Isso também afronta o princípio da dedicação exclusiva do professor e pesquisador. O tempo livre para isso foi ampliado em quatro vezes desde 2015.
O que vai acontecer com as pesquisas da área de humanas? A quem interessa falar sobre desigualdade no Brasil? O IBGE produz pesquisas sobre as mulheres no mercado de trabalho, apresentando dados como a participação no setor gerencial, os salários, etc. Em tempos de crise econômica as mulheres são as mais atingidas no Brasil, em especial as mulheres negras. É importante aprofundar a produção e análise dessas estatísticas no Brasil.
Todas as pesquisas do IBGE apontam que a maioria da população é parda. O que é isso? É preciso discutir por que as pessoas se identificam como pardas aos entrevistadores e não negras ou indígenas. Há um processo de epistemicídio, de racismo no Brasil.
Temos que pensar a desigualdade em termos de classe, raça e gênero. Aprofundar a informação sobre a divisão sexual do trabalho no Brasil, exige abordar dois aspectos 1) Separação entre trabalho masculino e feminino. 2) Hierarquia: o que vale mais, o trabalho masculino sobre o feminino? Trabalho feminino doméstico, reprodutivo, trabalhos que não são monetizados e ficam invisíveis na sociedade.
Há uma apropriação que é mascarada. Isso leva as mulheres a terem receio de andar sozinhas nas ruas à noite, por exemplo, porque sabem que são vulneráveis. Como são as mulheres mães-solo? A divisão do trabalho doméstico também passa pela divisão racial do trabalho, como a empregada doméstica que é uma espécie de mucama contemporânea, terceirizada para o trabalho doméstico.
De que maneira nós produzimos esse conhecimento? Não existe pesquisa neutra. A maneira como fazemos, quais as perguntas, como analisamos? Estamos marcados pelo racismo, pelo machismo e pelo colonialismo. É fundamental a produção dessas informações para avançarmos a um Estado democrático de direito. A democracia nunca foi plena no Brasil, principalmente para os mais pobres.
Qual é o nosso papel? No IBGE é pensar em resistir e propor. Isso parte da recusa de aceitarmos a receita dos cortes de gastos. É preciso construir outras saídas, da escassez para a abundância. Existem possibilidades de mobilizar a sociedade. Agora precisamos reforçar um sentimento sobre o lado ao qual pertencemos. De que lado nos colocamos?
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Marco Antonio Mitidiero Jr
Geógrafo, membro da AGB e professor da Universidade Federal da Paraíba
Nenhum país do mundo é democrático se não democratiza a propriedade da terra. No caso brasileiro isso não pode ocorrer se não resolvermos a questão agrária brasileira. Eliseu Padilha (Ministro da Casa Civil do governo Temer) é grileiro de terras. No Brasil existem formas diferentes de apropriação da terra. Somos o vice-campeão de concentração fundiária no Planeta, só perdemos para o Paraguai, que conta com muitos brasileiros neste ramo. Cerca 0,9% de propriedades concentram 45% da terra, de acordo com o Censo Agro 2006.”
O agronegócio passa manhã, tarde e noite tentando pilhar os 125 milhões de hectares das terras indígenas. Uma área do território nacional equivalente à metade da Europa é classificada no Censo Agro 2006 como “outras ocupações”. O que é isso? O Censo Agro 2006 dividiu os dados em 18 classes de área. Mas interrompe em 2.500 hectares ou mais, quando antes classificava dados até 10 mil hectares. Essa opção metodológica escondeu os barões da terra no Brasil. Por que cortaram em cerca de 60% o questionário do Censo Agro 2017? Não ter a informação sobre o agrário nacional é importante para o agronegócio. As informações sobre as comodities o agronegócio possui. Quem vai sentir esses cortes do Censo são os pequenos proprietários.
Mas, apesar das limitações do Censo Agro 2006, ficou patente que mais de 70% do que se come no Brasil vem da pequena produção agrícola e não do agronegócio. Esses mesmos que querem votar na terça que vem (29 de maio/2018), no Congresso Nacional, o pacote do veneno, apesar do Brasil já ser o campeão do mundo do veneno agrícola. Esses mesmos ruralistas que devem quase 1 trilhão aos cofres públicos.
Mitidiero lembrou ainda a CPI do Incra e da Funai, criada para criminalizar aqueles órgãos pelo que fazem para contribuir com os assentamentos e áreas indígenas. Foram 121 pessoas indiciadas e processadas, inclusive acadêmicos. Há perigo nos dados, concluiu.
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