Se cortar questionário do Censo não reduz orçamento, qual a motivação para cortes? – Em carta aos servidores, datada de 10 de abril, a Presidente do IBGE afirma que a dotação orçamentária do Censo Demográfico 2020 está em fase final de definição. Na carta, Susana Guerra defende que, por conta do contexto macroeconômico e fiscal, o Censo deve passar por ajustes para simplificar a operação (redução de questionário e amostra), sugerindo, inclusive, que a redução do questionário e o aumento da produtividade solucionariam o medo da violência que acomete os recenseadores.
Na carta, de forma inconsequente, ainda é desqualificado o trabalho realizado no Censo 2010, sem nenhuma especificação a respeito de quais foram os problemas e de como isso foi tratado nos últimos 10 anos. Se houve problemas é preciso aponta-los de forma objetiva.
No que se refere à questão fiscal, é importante ressaltar que o censo brasileiro é barato. Seu custo o equivalente a 17 reais por pessoa. A possibilidade de não realização do Censo 2020, ou de realizá-lo sem os recursos necessários, coloca em risco tudo o que já foi gasto em termos de dinheiro e material humano.
A diminuição do questionário proporcionaria uma redução marginal do orçamento do Censo 2020. Portanto, não se trata da questão orçamentária. Qual o objetivo de se privar a sociedade de informações fundamentais para a radiografia das condições de vida da população, características das pessoas, dos domicílios, etc.?
Essas informações, se retiradas do Censo, não serão contempladas com pesquisas amostrais, que não proporcionam resultados ao nível dos municípios e dos setores censitários, com as desagregações dentro dos municípios. Não existe justificativa técnica nem orçamentária para cortar o questionário do Censo, restando apenas um apelo midiático.
O corpo técnico demonstrou que mudanças na amostra comprometeriam a qualidade dos dados. Especialistas em amostra com larga experiência em pesquisas domiciliares trabalham no plano amostral do Censo. Até agora sugestões de redução da amostra não foram cientificamente robustas, inclusive a visita de técnicos do Banco Mundial ao IBGE demonstrou isso.
O planejamento do Censo é desenvolvido desde 2017. Neste planejamento, não foi cumprida ainda a fase de atualização da base cartográfica, uma vez que o orçamento reservado ao Censo em 2019 foi cortado, como já havia sido denunciado pela ASSIBGE-SN, o que poderia comprometer a realização da operação censitária. Dos R$ 344 milhões solicitados, foram aceitos apenas cerca de R$ 240 milhões, portanto, são R$ 100 milhões a menos impactando as atividades preparatórias.
Dentro das experiências internacionais, temos o exemplo de mudança de projeto de censo que resultou em sub enumeração da população. No Chile, o planejamento para o Censo 2012 era realizar todas as entrevistas em um só dia, contando as pessoas que dormiram em cada casa durante a última noite, modalidade conhecida “censo de fato”. Por decisão do presidente daquele país à época, desconsiderando o diagnóstico dos técnicos, o presidente do Instituto Nacional de Estatística (INE Chile) decidiu mudar o procedimento para “censo de direito”, modelo que o Brasil adota, uma investigação que durou três meses e que priorizou o conceito de residente habitual da casa. O resultado de mudança de planejamento às vésperas do levantamento foi omissão de parcela da população, em média 9,3%. Esse resultado comprometeu a confiabilidade do Instituto e não cumpriu seu papel de realmente retratar a população.
Portanto, a revisão de vários detalhes do projeto às vésperas do Censo constitui uma temeridade, tendo em vista o valor do investimento já feito, o que será gasto nesse projeto e o seu papel fundamental para a sociedade brasileira.
Outra solução apontada pela Presidente do IBGE, o aumento da produtividade dos recenseadores, também traz em si um risco significativo. O salário dos recenseadores, ao invés de se reajustado pelo salário mínimo, será pela inflação, um índice acumulado menor no período de 10 anos. Entretanto, como os recenseadores recebem por produto, amplia-se o risco de evasão de entrevistadores, dada a baixíssima remuneração.
A violência urbana e as dificuldades de acesso dos recenseadores não são justificativas para limitar o questionário e a amostra. Os ibgeanos lidam todos os dias com a violência urbana e outras intempéries, sem que isso comprometa o escopo e o detalhamento das nossas pesquisas.
O momento é de unirmos forças. Os trabalhadores do IBGE estão seriamente preocupados com o Censo 2020 e não medem esforços para a sua realização. Entretanto, é papel do governo dar condições concretas para a realização do Censo 2020, além da própria sobrevivência do IBGE.
A Presidente do IBGE ainda não respondeu como pretende cumprir todo o programa de trabalho da Instituição, sem a realização de concurso público para trabalhadores efetivos. Temos 64 agências com apenas 1 trabalhador efetivo, outras 174 com 2 trabalhadores, 30% desses aposentáveis no próximo período. Contamos hoje com apenas 4.797 servidores efetivos. A título de comparação, em março de 2009, véspera do Censo 2010, éramos 7.169. Quantos seremos durante a coleta? Ainda que a atividade de entrevista seja levada a cabo pelos recenseadores, quem vai orientar, treinar, sistematizar, analisar e divulgar os dados do Censo e toda a nossa produção estatística e geocientífica nas agências e nas unidades centralizadas?
Portanto, não é apenas com boa vontade que se vai evitar o apagão estatístico no país. A ASSIBGE-SN chama todos os servidores a reagir. Cabe aos usuários pressionar o governo e é responsabilidade da mídia pautar este tema para debate com a sociedade. Não aceitamos que mexam no Censo Demográfico 2020.
A cada medida restritiva de orçamento e não realização de concurso somos impelidos a “fazer mais com menos”. Esse processo já chegou ao seu limite. Não vamos deixar que projetos que reduzam e sucateiam o IBGE comprometam a credibilidade do IBGE e de seus trabalhadores, conquistada com muito esforço, trabalho e luta durante os mais de 80 anos da Instituição.
Por concurso público!
Em defesa do Censo!
Executiva Nacional da ASSIBGE-SN
12 de Abril de 2019
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