O limite de um Censo Agropecuário adequado a um orçamento enxuto, foi o centro do debate na Audiência Pública promovida pela Comissão de Agricultura e Pecuária da Câmara dos Deputados, ocorrida em 18 de abril. A preocupação da maioria dos presentes, entre convidados e parlamentares, é que a restrição de recursos leve o IBGE a fazer um Censo pela metade, não retratando aspectos fundamentais da realidade do campo brasileiro.
A mudança de perfil da mão de obra no campo, a concentração e centralização da agricultura, a situação do trabalho feminino e infantil, a imprecisão no levantamento dos valores monetários, as questões do uso de agrotóxicos e do controle de pragas, entre outros temas, ficaram restritos ou incompletos no questionário do Censo Agropecuário, mesmo depois das últimas alterações.
Gerente reconhece limitações do novo projeto
Mesmo reconhecendo que “é muito terreno para pouca gente fazer” e que não vai haver verba nem para a divulgação, o gerente do Censo Agropecuário do IBGE, Antônio Florido, afirmou que não se trata de um levantamento pela metade, mas um novo projeto, adequado ao orçamento restrito, mas balizado nas recomendações da FAO (órgão da ONU para a agricultura e alimentação).
No entanto, os próprios dados exibidos por Florido durante a Audiência demonstram o corte drástico do projeto original, em comparação com o que pretende ser executado. Houve uma reestruturação do questionário, redução no tempo de entrevista e de pessoal: de 62 mil para 18 mil recenseadores; de 12.500 para 4850 supervisores; de 5.100 para 1250 postos de coleta. Isso vai implicar na necessidade de aumento de dois para quatro a cinco questionários/dia por recenseador e na diminuição do detalhamento da entrevista.
Visivelmente preocupado em acelerar a preparação do Censo Agropecuário, visando iniciar a etapa de coleta, a partir de outubro, Florido alertou que serão precisos mais R$277 milhões para 2018. “Se não for encaminhado o recurso para o ano que vem agora, na PLOA, a gente vai parar o processo, porque não temos como iniciar sem ter garantias de que ele vai terminar”.
Fazer mais com menos?
Voz destoante na Audiência Pública, o Presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, afirmou que estamos diante do melhor censo de todos os tempos, que vai encher não só os olhos dos parlamentares, como também propiciar o primeiro cadastro completo do universo agrícola brasileiro. “Este Censo Agro é no mínimo 150% mais perfeito, com a boa notícia de que será um bilhão mais barato para o cidadão brasileiro”, arrematou Rabello.
Para Fernando Gaiger Silveira, pesquisador do IPEA e um dos convidados à Audiência, sempre foi caro fazer Censo. No entanto, alertou, “não podemos trabalhar com a idéia de que Censo não cabe no orçamento. Isso é um perigo, porque essa é uma forma de conhecer o país”.
Silveira foi enfático na crítica à intervenção do Presidente do IBGE. “Agora, depois de tantos censos, vamos questionar se o questionário é longo ou enfadonho?”, retrucou. De acordo com o técnico do IPEA em nenhum momento nos fóruns com o IBGE se discutiu sonhos, mas coisas concretas, visando os aspectos técnicos.
“Eu acho que essa aritmética de fazer mais com menos não cabe, porque mesmo com a eficácia dos técnicos do IBGE isso não é possível”, concluiu Gaiger. Para ele, não se trata de um meio censo, mas de uma fotografia com menos foco em coisas importantes.
Em resposta ao argumento de que novas pesquisas amostrais dariam desdobramento aos dados não contemplados no Censo Agro, Fernando Silveira deu a entender que isto está longe da realidade. “A ideia de que agora vamos fazer pesquisas amostrais eu ouvi em 2010. O problema é o enxugamento do IBGE. É isso que temos que olhar com mais carinho”, reforçou em suas considerações finais.
Informação como bem maior da humanidade
Em sua intervenção, o técnico aposentado do IBGE Luís Almeida Tavares, formado em pela UFPR e doutorado em Geografia pela USP, usou sua própria experiência nos censos anteriores para levantar uma série de preocupações. De acordo com Tavares, o projeto apresentado não contempla o essencial.
“Houve uma CPI da venda de terras e o último levantamento é de que mais 30% das terras agricultáveis estariam nas mãos de estrangeiros, no entanto o Censo não vai captar isso. O que houve foi um cala-boca a meia-boca para os técnicos do IBGE”, concluiu.
Luís citou ainda os conflitos de água no rural brasileiro, a ausência de um detalhamento da situação das matas ciliares e o alcance da destruição das áreas dos estabelecimentos rurais, como lacunas seríssimas que não serão captadas pelo novo projeto de Censo.
De acordo com Tavares, é preciso garantir o IBGE enquanto órgão de Estado. “O problema é mais da direção, não dos técnicos. Sem informações confiáveis nós não teremos condições de fazer boas política públicas. A informação é o maior bem da humanidade”, alertou Almeida.
Participaram ainda da Audiência Pública o professor Mauro Del Grossi (UNB), José Garcia Gasques (SPA/MAPA) e Willie Gustavo de La Piedra (Casa Civil). Compareceram e usaram da palavra os deputados Pepe Vargas (PT/RS e Presidente da Comissão), João Daniel (PT/SE), Nilto Tatto (PT/SP e Comissão de Meio Ambiente), Heitor Schuch (PSB/RS) e Carlos Melles (DEM/MG – Coordenador da Frente GEMA).
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