*Por Mário de Oliveira, contador de histórias, amante da vida, militante Ibgeano e aposentado.
Iniciação ou tentativa de cárcere?
Aos novatos no mundo do trabalho, é comum como “batismo” a imposição de tarefas indesejadas pelo grupo, uma espécie de desafio de iniciação. Assim, meu batismo se deu em um prédio muito popular em Copacabana, prédio que inspirou e foi tema de peça de teatro, salvo engano com 55 apartamentos por andar. Ali, entre 18 e 20 horas, o movimento visto no hall de elevadores, moradores entrando e saindo, era maior do que a maioria dos prédios comerciais que conheço, e o síndico afirmou na ocasião, “não há como saber o número exato de pessoas que moram aqui”. Nesse contexto fui iniciado, fiz algumas entrevistas com sucesso e tranquilidade, no entanto uma especialmente marcou aquele início.
Toquei a campainha do imóvel, sem demora e ainda com a porta fechada o morador perguntou quem eu era e o que queria, expliquei, então escutei o som de algumas chaves abrindo porta, de início entreabriu a porta e falou, “só dou as informações aqui dentro do apartamento!” No meu trabalho de campo sempre evitei adentrar no ambiente interno das residências, por respeito a privacidade do informante e para não perder o ritmo de trabalho com reminiscências.
Diante da exigência topei entrar no domicílio, QUE SUSTO! Em seguida a minha entrada o sujeito, olhando para todos os lados, como que para se certificar de que não havia entrado mais ninguém, bateu a porta e iniciou o rito de fechar quatro chaves de quatro lados, finalizando com uma pesada tranca de ferro atravessada na porta. Embora apreensivo, felizmente a entrevista transcorreu muito bem!
Ufa, fui aprovado em meu batismo!
Não confie no roupão
Tempos passados, já com boa caminhada na estrada, com alguma habilidade para “abrir” domicílios fechados”, aqueles em que apesar de insistentes visitas, os agentes de coleta não conseguiram realizar a entrevista, muitas vezes por recusa, fui designado para “abrir” um apartamento em Botafogo, próximo à entrada do, então, Morro Santa Marta. Mais um susto, aliás, mais constrangido do que assustado.
Naquele antigo prédio, o apartamento tinha como visor uma portinhola retangular na horizontal, toquei a campainha do apartamento, sem demora, abriu-se a portinhola, expliquei que eu era e o que queria, uma voz feminina respondeu: “espera um pouco que eu acabei de sair do banho”; em pouco tempo a informante abriu a porta, era uma mulher jovem, vestida com roupão de banho, com os cabelos molhados com a água pingando. Ali em pé, diante da porta do apartamento, surpreso com a cena, realizei a entrevista. Ao final solicitei que ela autenticasse a entrevista e para escrever ela resolveu apoiar a pasta no joelho. Diante do que aconteceu ambos ficamos ruborizados, ao levantar o joelho, o roupão abriu totalmente, ela estava só de roupão! Embora também com a face rubra, ela calmamente amarrou o roupão, com tranquilidade se despediu e entrou no apartamento. Um momento inusitado em um dia incomum na rotina de coleta de dados.
Trabalhar nas ruas de uma cidade atribulada como o Rio de Janeiro, é recorrente encontrar situações difíceis, no entanto, a rotina das entrevistas é, em geral, previsível, tranquila, embora muitas vezes extenuante o caminhar nos dias de muito calor, com o asfalto meio derretido, molenga, nos horários de sol mais forte.
Valendo mais do que ouro
E assim foi mais um dia de trabalho no escaldante verão carioca. Ao chegar ao domicílio selecionado foi necessária uma volta no entorno daquele enorme Parque, subir a Rua do Parque, que parecia mais longa e íngreme naquele dia quente, não foi fácil. Identificado na portaria, fui autorizado pela moradora a subir para entrevistá-la. Como protocolo de trabalho, evito entrar nos imóveis, aceitar café, água ou outra oferta, mas após aquela sacrificante caminhada até o domicílio sob o sol da tarde, diante do convite feito por aquela senhorinha, aceitei entrar, sentar um pouco e beber água.
A essa altura eu já era um pesquisador/entrevistador experiente, calejado por muitos sustos, situações e cenas inusitadas e, confesso, nesse caso fiquei petrificado: aquela simpática senhorinha fez uma cara meio sapeca e me perguntou, ‘Quer conhecer o meu tesouro?” sem saber o que falar, sentado eu estava e sentado continuei, a senhora caminhou até a janela da sala, descortinou, abriu as faces de vidro da referida janela e me chamou para ver, quanto alívio, surpresa e admiração, ela realmente tinha um tesouro que muitos tentaram comprar, oferecendo expressivas quantias de dinheiro, olhando pela janela daquele apartamento, como se fosse o quintal de casa, lá estava o belo e majestoso jardim da Quinta da Boa Vista e o importante Museu Nacional muito antes do incêndio.
Passado o susto, realizei a entrevista, me despedi da simpática senhora e até hoje guardo aquelas imagens maravilhosas em meu coração de véio aposentado.
Edição completa do Jornal da ASSIBGE disponível na aba redação.
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