Em 2019 o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que “quem pergunta demais acaba descobrindo o que não quer”
por: Mariana Branco – Portal Vermelho
Na última semana o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo tome providências para realizar o Censo em 2021, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral do Estado do Maranhão. O novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eduardo Rios Neto, disse que o órgão está preparado assim que forem liberados recursos orçamentários. Mas Dione de Oliveira, diretora do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE), afirmou ao Portal Vermelho que a situação não é tão simples.
De acordo com Dione, cortes orçamentários desde 2019, aliados à situação da pandemia, levaram à desmobilização de fases preparatórias para o próximo censo. Entre elas, por exemplo, o censo experimental realizado no município de Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro. Interrompida em março de 2020 devido à Covid-19, a ida a campo experimental funciona como um treinamento.
“A cadeia de atividades foi comprometida. Até agora não tem orçamento. Talvez até tenha que mandar os trabalhadores embora. Depois como é que vai fazer? Vai realizar um processo seletivo de novo?”, questiona a diretora. Além de os trabalhadores já contratados estarem sob risco, o processo seletivo para contratação temporária de 204 mil recenseadores em 2021 está suspenso.
Dione lembra que, em 2019, quando o atual governo assumiu, o IBGE pediu um orçamento de R$ 3,1 bilhões para o censo a ser realizado em 2020. O valor sofreu um corte, para R$ 2,3 bilhões, além de o questionário perder 30% das perguntas, entre elas, questionamentos sobre fluxos migratórios, valor do aluguel, rendimento domiciliar, por exemplo. Na ocasião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que “quem pergunta demais acaba descobrindo o que não quer”.
“Essa é a tônica dessa gestão”, comenta Dione sobre a frase. Segundo ela, o número de perguntas não influencia em absoluto nos custos para realização do censo. “Apesar de a direção dizer que o corte de perguntas era para viabilizar censo mais barato, o grande gasto do censo é para pagar o recenseador, fazer a logística de deslocamento. Esse é o grosso do gasto. Quando um recenseador chega à casa de uma pessoa, se ele vai fazer uma ou 100 perguntas não importa”, afirma.
Com a suspensão do censo em 2020 devido à pandemia, o IBGE voltou a requisitar os R$ 2,3 bilhões para 2021, que se transformaram em R$ 2 bilhões na peça orçamentária enviada pelo governo ao Congresso. Os parlamentares cortaram drasticamente a verba, que caiu para R$ 71 milhões. Na sequência, a presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, pediu exoneração.
Ao sancionar o Orçamento, o presidente Jair Bolsonaro ainda ampliou o corte, deixando apenas R$ 53 milhões para realização do censo. O Ministério da Economia, então, confirmou que o levantamento demográfico não aconteceria por falta de previsão orçamentária. A decisão de Marco Aurélio de Mello mudou esse cenário. O assunto ainda será levado ao plenário do Supremo.
Dione de Oliveira afirma que a ASSIBGE considera a determinação do ministro importante “principalmente porque jogou luz na necessidade de garantir recursos para realizar o censo”. Segundo ela, o sindicato pediu para colaborar com a ação na qualidade de amicus curiae (amigo da corte, contribui com os tribunais fornecendo subsídios às decisões).
Mas, para a diretora, a simples recomposição do orçamento original de R$ 2 bilhões não será suficiente para garantir o censo este ano. “Uma pandemia precisa de mais orçamento. O IBGE já não tinha [orçamento] antes da pandemia. Se se descobre que o recenseador está contaminado, qual o procedimento? Vão isolar e testar as pessoas dos domicílios que ele visitou?”, exemplifica.
Segundo Dione de Oliveira, além de protocolos sanitários, os funcionários querem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) eficientes. “O protocolo do IBGE é um texto insignificante. Distribuíram uma máscara de pano que vaza todo o ar. Se [o adiamento do censo] fosse uma decisão planejada, iriam aportar recursos para todas as atividades preparatórias. A decisão foi absolutamente fiscalista”, afirma. Dione diz ainda que a ASSIBGE pedirá ao STF que um corpo técnico de trabalhadores acompanhe a preparação do censo.
Regime fiscal
Para o economista Marco Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp, a situação do censo mostra como o atual regime fiscal, baseado no teto de gastos públicos, cria distorções. O teto de gastos limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior até 2036.
“Quando você compra uma batalha generalizada dessas, que é ideológica, você começa a cortar tudo e tem horas que começa a bater no custeio de certas ações. Da próxima vez, podem ser questões relativas aos gastos do SUS [Sistema Único de Saúde]. Na verdade, é uma crise contratada. Vai acontecer outras neste ano, no ano que vem. Como vai se reduzindo relativamente o espaço, vai se desmontando uma série de políticas”, afirma.
“O Brasil vai precisar passar por uma revisão do seu regime fiscal. Já virou uma coisa completamente disfuncional, uma colcha de retalhos de regulamentações específicas. Vai bater em uma série de custeio para políticas públicas que são constitucionais e que requerem instrumentos como o censo”, acrescenta Rocha.
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