A realização do Censo Experimental em Poços de Caldas/MG (1/10 a 2/12) demonstrou que a intervenção no planejamento técnico e orçamentário do IBGE deu resultados negativos. A notícia “Avaliação positiva do Censo Experimental marca reunião de coordenadores do IBGE”, postada pela Presidência no dia 10/12 na rede interna do IBGE, está repleta de imprecisões e avaliações que mascaram a realidade concreta. Vamos a elas:
I – Baixo percentual de respostas pela internet
Uma das justificativas para a diminuição de orçamento do Censo 2020 foi a previsão de aumento da coleta pela internet. Em uma de suas cartas semanais (27/09) a própria Presidente anunciou que o resultado via internet havia sido de apenas 2,3% de retorno, quando se esperava 20% do total da coleta por esse meio no início da operação. Esse ponto não foi sequer citado na avaliação.
O formato de coleta pela internet adotado um mês antes para o Censo Experimental já havia sido testado juntamente com outros dois modelos, em 2018, e considerado inadequado, entre outros fatores, pelo elevado custo por unidade de envio dos e-tickets frente ao retorno verificado no teste e mais uma vez referendado pela experiência em Poços de Caldas.
Para além do valor unitário cobrado pelos Correios – o que torna o modelo utilizado em Poços de Caldas inviável para a operacionalização em todo território coberto pelo serviço postal – aspectos relacionados às falhas na entrega dos e-tickets foram determinantes para a rejeição do modelo. Exemplo disso é que a remessa que deveria chegar a Rio Branco (AC) foi parar em São Gonçalo (RJ), obrigando um analista censitário do IBGE a levar pessoalmente os e-tickets para a capital do Acre.
A insegurança provocada pela possibilidade de privatização dos Correios também dificulta a inclusão dos serviços postais em um projeto com a dimensão do censo brasileiro. A direção do IBGE insistiu em levar a campo um modelo que já havia sido testado e rejeitado, portanto, um desperdício de dinheiro público.
II – Pessoal insuficiente
O Censo Experimental mostrou que foi difícil selecionar e manter recenseadores com o salário oferecido (estimado em R$1.100,00), pois houve necessidade de fazer outro processo seletivo. Salários baixos de recenseadores e supervisores impõem dificuldades de abertura de domicílios fechados e realizar a pesquisa, impactando na cobertura e qualidade da pesquisa, visto que muitas vezes é necessário fazer coleta nos finais de semana, feriados e de noite.
O Censo mexicano, nosso melhor parâmetro, irá a campo com uma proporção superior a 1/1000 habitantes domiciliados, contando com um contingente de 151 mil recenseadores para uma população estimada de 127 milhões de mexicanos em 2020.
O número reduzido de recenseadores, recalculado para uma proporção inferior a 1 para cada 1000 habitantes domiciliados, associado aos baixos rendimentos financeiros, absoluta falta de transparência sobre a efetivação dos pagamentos, concorrência com as possibilidades de trabalho flexível oferecidos por diferentes plataformas e uma campanha eleitoral irrigada por recursos que podem chegar aos R$3,8 bilhões de reais, paralela a realização da coleta censitária, são pontos chave de planejamento que vem sendo subestimados.
III – Questões sem respostas
Esses aspectos também não foram mencionados na “avaliação positiva” do Censo Experimental. Portanto, é fundamental saber:
1) Qual o percentual de domicílios fechados ocupados sem entrevista realizada no Censo Experimental?
2) Qual o limite de imputação desses domicílios em uma operação censitária?
3) A pesquisa está fechada ou não? Qual foi a data real de fechamento do Censo Experimental: 2 de dezembro, conforme previsto e amplamente divulgado, ou foi preciso seguir com a coleta?
4) Qual comparação pode ser feita com o Censo Experimental de 2010?
5) Quem considerou adequado realizar um evento de avaliação estratégica sem a presença do coordenador do Censo Demográfico?
6) Será realizado um novo Censo Experimental ou qualquer outro teste antes da operação censitária de 2020? Se sim, por quê?
7) Por qual razão os recenseadores avaliaram a operação com nota 6,5 ou porque um dos Agente Censitário Supervisor (ACS) avaliou que é preciso mais propaganda?
IV – Avaliação desfocada
O triunfalismo da direção do IBGE se verifica nas citações publicadas na matéria publicada em 10 de dezembro:
“Para a chefe da Unidade do IBGE em Minas Gerais, Maria Antônia Esteves da Silva, não houve falhas estruturais, mas restam desafios à espera de resolução. “Um chefe procura culpados; um líder busca soluções”, resumiu, enfatizando a capacidade de superação dos funcionários do IBGE como o ponto forte que novamente foi posto à prova em Poços de Caldas.”
“Superamos os percalços, mas a qualidade e a quantidade dos insumos de coleta, como aplicativos e cadastros de base territorial, têm impacto muito forte no trabalho dos recenseadores. Não podemos repetir alguns erros nesses insumos”, alertou.”
Esses são alguns dos trechos da matéria. Contudo, quantidade e qualidade de insumos de coleta e cadastros de base territorial são elementos estruturais importantes. Falhas nesses campos estão relacionadas, além dos atropelos no planejamento da pesquisa, por subestimação do orçamento.
V – Planejamento x improviso
Salários e quantidade de recenseadores necessária, aparelhos e equipamentos em quantidade e qualidade suficiente e devidamente testados, conforme estabelecido no manual de boas práticas estatísticas da Instituição, além do mapeamento dos setores censitários considerando aspectos operacionais sensíveis para a entrada e permanência nesses espaços, constituem aspectos fundamentais para que os domicílios sejam encontrados e dependem fortemente do orçamento e adequação do planejamento a esses desafios.
Planejamento, aliás, é uma palavra que parece não fazer parte do vocabulário da atual gestão. Indagado a respeito das estratégias para combate a disseminação de notícias falsas – fenômeno que assombra as instituições em função de uma incomparável velocidade de circulação via redes sociais e aplicativos de mensagens privadas -o coordenador da área de Comunicação Social do IBGE limitou-se a responder que será preciso lidar com o problema quando ele ocorrer.
A abordagem oferecida pelo responsável pela CCS sem dúvida é admirável enquanto filosofia de vida, mas pouco serve aos fins de uma instituição como o IBGE. Sem planejamento minucioso a produção de dados censitários flerta com o caos e a área de comunicação assumiu papel estratégico para o sucesso de qualquer operação estatística no século XXI. É a imagem do IBGE que está em jogo.
Sindicato quer aprovação de Emenda ao Orçamento do Censo
Para tanto, é fundamental que a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional aprove a Emenda da Comissão de Defesa do Direito do Idoso da Câmara para o Censo 2020. Caso contrário, o Brasil corre o risco de repetir a experiência de Chile e Paraguai em 2012, quando aqueles países alteraram seus projetos e orçamentos depois de já ter sido realizada a maior parte do planejamento, gerando sub enumeração de pessoas e de domicílios, jogando fora dinheiro público gasto nessas operações.
Ao contrário do que se divulga internamente, a situação real de preparação para o Censo 2020 é gravíssima. Discursos em hipótese alguma devem resistir aos fatos numa instituição de pesquisa. Quando isso ocorre, pior para os dados, as instituições e o país. Seguiremos juntos nesse caminho?
Executiva Nacional
ASSIBGE – Sindicato Nacional
16 de dezembro de 2019
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