Convidado para a reunião da Direção Nacional da ASSIBGE-SN, o coordenador nacional do Movimento os Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, abordou diversos assuntos da situação política e econômica do país. Reproduzimos, a seguir, os principais trechos de suas intervenções na plenária sobre conjuntura, dia 27 de abril.
Golpe com verniz institucional
Há um padrão de golpe sendo aplicado na América Latina, a partir do Paraguai, quando há o interesse das classes dominantes está em jogo. A direita vê nesta crise uma janela para impor um programa sem precedentes de contra reformas. O segundo elemento deste processo foram as tais pedaladas fiscais, argumento fragilíssimo para justificar isso. O nome disso é golpe.
Resistência e balanço do governo petista
Eu penso que a admissibilidade do impeachment no senado está dada. Essa polarização foi fortalecida pela mídia, dividindo as manifestações entre atos contra e a favor do governo Dilma. Agora a tendência é que a narrativa mude. Mesmo aquelas organizações com hegemonia do PT terão que retomar o caminho da luta. Mas isso não pode vir ligado a um discurso restaurador, de que no tempo do PT é que era é bom. Esse discurso vai surgir com força, e dentro da unidade que teremos contra o governo Temer temos que lutar para que esse discurso seja minoria. Temos que mostrar que foi a política do pacto e da desmobilização social que levou ao golpe e ao governo Temer.
Rejeitar o fatalismo histórico
Não se trata de jogar no lixo o PT e sua história, o que não podemos também é aceitar o discurso da vítima, de recompor o PT e seu projeto dos 13 anos do governo petista. É o momento de condenar o golpe, mas também de fazer um balanço crítico desses 13 anos. Este golpe é também produto das opções do PT nesses 13 anos sobre a mídia, o congresso e o judiciário. Não existe só um tipo de governabilidade. Fatalismo diz que o PT fez o que podia dentro do que era possível. Era possível apostar em outra governabilidade através da mobilização social. Governabilidade com negociação com partidos corruptos e fisiológicos é a derrota. Lula teve momentos para isso e fez outra opção política.
Eleições diretas
Chamar novas eleições neste momento? Tenho simpatias a esta possibilidade. A decisão do STF barra o financiamento privado de campanha. Apesar do limite desta pauta, este poderia ser um elemento que pode deixar o governo Temer em xeque. A ação de cassação da chapa Dilma/Temer no TSE está parada e pode ser dividida. A PEC das diretas agora teria muita dificuldade de ser aprovada, no entanto, talvez tenha mais condições de aglutinar gente nas ruas. A bandeira das diretas pode ser essa forma de encurralar um possível governo Temer.
O governo petista e a mídia
Já no governo Lula o senador Roberto Requião tentou sensibilizar o governo da necessidade de uma TV pública, de qualidade. O José Dirceu teria dito a ele que já temos essa TV, que seria a TV Globo. Subestimaram o caráter historicamente reacionário, rançoso da burguesia. O PT caiu no canto da sereia.
Atenção ao discurso da direita
Não podemos minimizar o caldo que virá da direita neste momento. Não se pode minimizar as agressões nas ruas e nas redes sociais todos os dias, transpirando um discurso de ódio, intolerância e racismo.
O que vem agora com Temer?
Um governo ilegítimo (sem crime de responsabilidade e sem votos), mas não vai ser um governo fraco. Deve passar por instabilidade nos primeiros meses. Gov. temer vai ter maioria parlamentar sólida, mais da que o do PT, vai ter blindagem midiática sólida, apoio sólido do empresariado. O governo Temer vai ter uma condição importante: não responde a nenhuma base social e com o programa que pretende implantar nem pretende se reeleger. Só precisa responder à burguesia brasileira e internacional. Este governo pode ser perigoso e forte para implantar contra reformas que nem FHC fez. A agenda que ele quer fazer nas primeiras semanas é a reforma da previdência e a Desvinculação de Recursos da União para a saúde e a educação, além da desvinculação do salário mínimo para aposentadorias, terceirização geral e reforma trabalhista. O governo Temer não vai ter contradição alguma para implantar essas propostas, a não ser com as ruas. Dificilmente num primeiro momento vamos ter condição de impedir essas contra reformas. É uma agenda que retrocede nos direitos sociais mais elementares. Isso é o que nos espera no próximo período.
Papel dos movimentos populares e sindicais
Não vai ser uma maravilha para ele: desemprego crescente, situação econômica precária, ajuste fiscal radical, o que vai gerar reações. Nossa chance de brecar isso é trazer os setores populares que não estão organizados para a luta. Diante do esgotamento do ciclo do PT e da eminência de um governo com uma agenda brutal, quais são as possibilidades e saídas para a esquerda e os movimentos sociais e sindicais? Não se pode minimizar e nem exagerar a ofensiva da direita. Este anti-petismo que se criou na rua é também anti-esquerda, antigreve, anti-ocupação, etc. Há essa onda, mas não é o fim dos tempos. O mesmo processo que gera a polarização política entre Trump e Sanders nos EUA tem reflexos em outras partes do mundo e também no Brasil. O esgotamento do sistema político e a falta de respostas do modelo geram possibilidades à direita e à esquerda. Hoje há mais descontentamento, menos acomodação.
Desafios para a esquerda
Ao esgotamento do pacto de conciliação de classes, temos que apresentar um projeto de combate ao programa neoliberal. O ajuste tem que ser do outro lado: vamos propor reforma tributária, auditoria da dívida pública. Vamos fechar a conta no andar de cima, não no de baixo. O Estado brasileiro tem papel concentrador, quando tira recursos da classe trabalhadora e repassa para dez mil famílias de banqueiros e magnatas, através do pagamento da dívida pública. A polarização está dada e nós temos que apresentar o nosso caminho, com reformas populares estruturais, questionamento dos privilégios, com um programa renovado de esquerda.
Relação de forças
Os petistas questionam isso diante de uma relação de forças desfavorável no Brasil. Esse argumento merece considerações. Isso não é algo fechado, imutável, é possível alterar isso. O que esse governo fez nesses 13 anos ajudou a frear o processo de mudança. Quando Chavez chega ao governo em 1999, na Venezuela, a relação de forças era pior do que hoje no Brasil. Ele tinha todos os motivos para fazer um pacto nacional com as elites. Sua opção foi organizar o povo e discutir com a população nos bairros e favelas, envolver o povo como ator político. O golpe contra seu governo não durou 48 horas, quatro anos mais tarde. E implantou um programa muito mais ofensivo. Ou seja, trabalhou-se para alterar a relação de forças. Se Dilma tivesse mandado a taxação de grandes fortunas ao Congresso, criaria uma polarização coma uma agenda. Ou seja, relação de forças é algo que se altera.
A radicalização da democracia no país
As mobilizações contra o impeachment foram muito expressivas nos últimos meses. Isso nos dá oportunidade de colocar um debate pela esquerda, que não é a legitimação desta democracia limitada, mas a participação social. Não é compatível com democracia o genocídio da juventude negra, a concentração da renda. Para isso, precisamos mudar a nossa perspectiva do “fazer político”. Não vai haver isso sem um novo ciclo de mobilização social. Nós não precisamos apenas reconstruir um programa, porque o que não falta são propostas. É preciso base social, trabalho de base. Esse espaço foi tomado nas periferias e favelas pelos evangélicos neo-pentecostais. Tomaram esse espaço porque fizeram o que a esquerda deixou de fazer: trabalho de base, de porta em porta. Deixamos de focar no trabalho nas ruas, a direita tomou as ruas. Nosso papel é este, retomar o trabalho de base, apontando para o enfrentamento nas ruas. Não podemos deixar que a política volte a ser assunto apenas de gabinete. Não podemos priorizar as disputas internas e o ranço entre grupos políticos.
Frente Povo Sem Medo
A Frente Povo sem Medo é uma articulação do MTST e mais de 20 movimentos sociais desde o final de 2014 e que tem como foco reconstruir a mobilização social, através de uma agenda comum: unificar os setores populares no que tem de comum, de enfrentamento ao ataque aos direitos dos trabalhadores, com uma autonomia em relação ao governo e com uma saída pela esquerda. O PT agora vai para a oposição em que condições? Está desgastado na classe trabalhadora, nas periferias. Isso abre caminho para um novo ciclo para a esquerda brasileira. O desafio é como fazer isso. Há os que acreditam que basta fazer chamados radicalizados. Construir um novo campo passa por resgatar as lutas sociais, sem sectarismo, nas ruas, com toda a diversidade de opiniões. Não vai ser com velhos métodos que vamos construir isso, temos que agir com paciência. Este é o processo que apresenta a Frente Povo Sem Medo.
Lais diz
Esse Guilherme Boulos acha que somos todos uns idiotas. Está querendo enganar a quem ? Só se for a si mesmo.
A esquerda (entenda-se PT) é que nos levou a esse retrocesso, uma situação patética. Só queriam o poder, fechando com os donos do capital enquanto jogava migalhas aos trabalhadores. O resultado foi essa situação esdrúxula em que nos encontramos. O PT nos levou a ela quando fez o contrário do que prometeu. Agora estamos liquidados nas mãos capitalistas (nacionais e estrangeiros). Vão fazer de nós o que bem entenderem e não há quem tenha força suficiente nem credíbilidade para nos reerguer. Foi-se a esperança e isso é o pior que pode acontecer com os oprimidos. Chega de papo pra boi dormir, discurso bonito não vai nos salvar do que vão fazer conosco. É uma verdadeira conspiração.