As águas brasileiras são um componente-chave para o desenvolvimento ambiental, social e econômico do país. Temos 12% das águas disponíveis do Planeta e somente 10% de consumo de nossas reservas. A preservação desses recursos requer atenção não só para o consumo humano, mas também para a economia, resiliência aos eventos extremos e proteção aos ecossistemas aquáticos e sua biodiversidade. Para abordar sobre esse tema entrevistamos o Gerente da Reserva Ecológica do IBGE, Mauro Lambert.
P1: Os povos originários das Américas encaram a água como algo sagrado. O que a sociedade contemporânea pode aprender com esses povos para frear as ameaças aos recursos hídricos e as espécies que deles dependem?
R. Populações tradicionais estabelecem relações estreitas e complexas com os lugares que habitam, que não raro, os tornam insubstituíveis. Por valorizarem todos os recursos naturais necessários à sua sobrevivência, mitos, lendas e tabus costumam funcionar como “freios culturais” à sua superexploração. Sem esses vínculos e dominada por relações de exploração ou utilitaristas dos recursos naturais, a sociedade de consumo pode reencontrar nas crises que se avizinham, a “religação” com os laços de sustentabilidade que perdeu.
P2: A economia brasileira está cada vez mais dependente do agronegócio, que polui o solo e consome a maior parte da água do país. Em que medida isso ameaça os recursos hídricos e como equilibrar esse consumo, de forma a favorecer a população?
R. O agronegócio brasileiro é o principal usuário e exportador de águas do país, mas será um dos mais afetados pelas ameaças hídricas que ele mesmo ajuda a provocar. Portanto, e’ o setor que tem grande responsabilidade e ótima oportunidade global de associar o aumento da sua produção ao uso de novas tecnologias que conservem os recursos hídricos e os solos, privilegiem a maior produtividade em áreas já degradadas em contraposição à expansão agrícola, e promovam a conservação da biodiversidade em áreas privadas, respeitando o código florestal, através das reservas legais em suas propriedades rurais.
P3: De acordo com o relatório de 2020 sobre Água, da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), caso nenhuma medida seja tomada até 2030 teremos uma crise hídrica que pode alterar o clima e produzir seca em grandes regiões do país. Que medidas são essas?
R. Cerca de 40% do território brasileiro já possuem níveis moderados a elevados de riscos à segurança hídrica. Até 2035, cerca de 74 milhões de pessoas, R$520 bilhões em atividades econômicas, mais de 80% das áreas úmidas e 25% da biodiversidade aquática estarão sob risco hídrico. Serão necessários investimentos de cerca de R$70 bilhões/ano em infraestrutura, promovendo restauração florestal, conservação de mananciais, mapeamento, monitoramento e proteção aos ecossistemas aquáticos, universalização do saneamento básico, maior eficiência na distribuição da água e promoção de soluções baseadas na natureza.
P4: A Plataforma BPBES lançou um Sumário para Tomadores de Decisão. Quais são as principais recomendações dessa Plataforma e em que medida os governantes das três esferas estão comprometidos com esse Sumário?
R. A segurança hídrica requer novas estratégias gerais e regionais de governança que visem à integração dos usos múltiplos, aliada à conservação das áreas úmidas e ao bem-estar da sociedade. Esse desafio deve incluir a produção do conhecimento focada nas lacunas existentes, o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias sustentáveis, o fortalecimento de instrumentos de política e de gestão e o engajamento dos diversos setores usuários das águas brasileiras. A Plataforma BPBES é uma iniciativa não-governamental que visa propor soluções práticas aos governos federal, estaduais e municipais. Negociações neste sentido já estão em curso.
P5: Como o IBGE contribui ou pode contribuir para uma política de Estado visando a preservação e o uso racional dos recursos hídricos do Brasil? Que iniciativas concretas já existem no IBGE para isso e o que está planejado para os próximos anos?
R. Ao longo de quatro décadas de gestão da Reserva Ecológica do IBGE, duas políticas de Recursos Hídricos foram subsidiadas por pesquisas científicas sob a liderança ou coparticipação dos nossos pesquisadores. Em 2018, o IBGE divulgou, em parceria com a Agência Nacional de Águas – ANA, os primeiros resultados das Contas Econômicas Ambientais da Água – CEAA, com metodologia consolidada e testada pela ONU. Em 2020, o IBGE divulgou também os primeiros resultados das Contas de Ecossistemas, como o Uso da Terra nos Biomas Brasileiros – 2000 a 2018, e as Espécies Ameaçadas de Extinção no Brasil – 2014. Atualmente, estão sendo desenvolvidas, testadas ou planejadas pelo IBGE, em conjunto com instituições especializadas, as contas de água, energia, florestas (recursos madeireiros e não madeireiros), biodiversidade, ecossistemas de extensão e ecossistemas de condição.
Entrevista realizada para o Jornal da ASSIBGE, clique no ícone para visitar o material completo.
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