O teletrabalho no IBGE durante a pandemia de Covid 19 foi o tema do debate promovido pela ASSIBGE-SN, em 21 de julho, com a participação de Roberto Véras, doutor em Sociologia/USP e Professor Associado da UFPB, e Rafaele Pinheiro, mestre e doutoranda em Psicologia e Psicóloga organizacional/UFRN.
O objetivo do Sindicato foi analisar os resultados da primeira rodada da pesquisa “Teletrabalho em tempos de pandemia: avaliação dos impactos para os trabalhadores do IBGE”, respondida por 1.521 entrevistados que estão em trabalho remoto no IBGE. Até o fechamento desta matéria 900 pessoas tinham visualizado o debate no Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=shoH3-ZT7Z4)
Na abertura do evento Matheus Canário (Núcleo Bahia) fez um resumo das iniciativas da ASSIBGE-SN até meados de julho/2020, no sentido de assegurar junto ao IBGE e na Justiça os direitos dos trabalhadores efetivos, temporários e terceirizados desde o início da pandemia.
Manuela Mendonça (ASSIBGE-SN) fez uma apresentação dos resultados da pesquisa. A íntegra do material está no Portal do Sindicato. Para a Executiva Nacional as respostas refletem o impacto do teletrabalho nas primeiras semanas da pandemia e seus reflexos sobre os trabalhadores.
Durante o debate ficou patente a falta de limites e horários para a comunicação das chefias com os trabalhadores durante a pandemia, o que caracteriza a pressão por produtividade. Isso suscitou o debate sobre o direito de desconectar.
Outro ponto observado é a necessidade do empregador arcar com os custos do teletrabalho, como mobília adequada, equipamentos, banda larga de internet, energia e outros gastos, que estão por conta do trabalhador. O Sindicato já levantou essa reivindicação, uma espécie de “auxílio-teletrabalho”.
Ao final, ficou evidente a necessidade de realizar outras rodadas da pesquisa, passada a novidade da experiência do teletrabalho durante a pandemia. Diversas questões levantadas contribuem para a construção de uma pauta de reivindicações, voltada a combater as consequências do teletrabalho no IBGE. Mas o debate precisa ser alimentado a partir de atividades organizadas pelos núcleos sindicais, nos diversos estados e unidades do IBGE.
Confira, a seguir, um resumo das análises de Rafaele Pinheiro e Roberto Véras.
Link para acessar a íntegra da pesquisa: https://assibge.org.br/wp-content/uploads/2020/07/Teletrabalho-em-tempos-de-pandemia-Avalia%C3%A7%C3%A3o-dos-impactos-para-os-trabalhadores-do-IBGE-ASSIBGE-SN-2.pdf
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Rafaele Pinheiro*
Vantagens e desvantagens do teletrabalho
Para a psicóloga Rafaele Pinheiro, é fundamental refletir sobre a análise da pesquisa, as condições em que ela foi realizada. “Se estivéssemos num momento diferente possivelmente as respostas seriam distintas”. Para ela alguns efeitos do teletrabalho só vão ser sentidos com mais tempo. Publicamos, a seguir, um resumo das observações de Rafaele.
Condições ambientais
“É obrigação do empregador prover as condições de trabalho. Se isso não for assegurado só haverá vantagens para a empresa.”
Separação entre vida familiar e trabalho
“Estamos falando de um trabalhador que passa a dividir o espaço familiar com outras pessoas. O aumento dessa convivência familiar é desafiador, os papéis podem ser confundidos, principalmente para os filhos. Agora, nessa pandemia, o teletrabalho não foi planejado, mas é compulsório e urgente. Isso impediu qualquer adaptação do espaço familiar.”
Vantagens e desvantagens
“O fato de você não enfrentar o trânsito e o elevado tempo de deslocamento ao trabalho é tido como uma vantagem, sobretudo nos grandes centros urbanos. A flexibilidade de horários também é outro aspecto importante, mas não pode ser confundida com autonomia, porque embora se possa escolher e flexibilizar o turno, a jornada de trabalho também se estende. Daí porque a produtividade tem crescido em torno de 30% no teletrabalho.”
Falta dos colegas, do ambiente de trabalho e da troca de informações
“O conceito de gênero profissional inclui um conjunto de regras implícitas, que faz o trabalhador pertencer a uma determinada categoria profissional, o que é construído coletivamente e alimentado pelo contato pessoal. No teletrabalho o trabalhador fica mais vulnerável. O coletivo é fundamental para diluir o sofrimento, a defesa do trabalhador, dar vazão à criatividade e a troca de informações com os colegas. Só o coletivo gera estratégias de superação do sofrimento no trabalho.”
Telepressão
“O contato direto e permanente com as chefias, via Whatsap, dá margem a outro fenômeno que é a telepressão, pela qual o trabalhador está sempre de prontidão e disponível a responder a mensagens da empresa, inclusive fora de seu horário de trabalho.”
Saída coletiva
“É preciso fortalecer os coletivos, entender que a nossa luta não é individual. É preciso ter a escolha do teletrabalho, preservando a saúde dos trabalhadores. Há muita coisa a avaliar, mas é preciso analisar este fenômeno à luz da realidade do capitalismo contemporâneo.”
* Mestre e doutoranda em Psicologia e Psicóloga organizacional/UFRN
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Roberto Véras*
O teletrabalho em meio à desregulamentação das relações trabalhistas
De acordo com Roberto Véras, as transformações no mundo do trabalho vêm ocorrendo com maior intensidade desde os anos 80. Resultam da aplicação de sucessivas e mais profundas e variadas transformações na dimensão tecnológica do processo produtivo e métodos de organização da gestão da produção. Isso altera a correlação de forças a favor do capital, produzindo precarização, através da flexibilização do trabalho, que inclui perdas, menos direitos, negociação mais difícil, etc. Publicamos abaixo, alguns dos principais pontos abordados por Roberto durante o debate.
Reforma trabalhista
“O agente principal das atuais mudanças no mundo do trabalho é a associação entre governos e empresas, com a desregulamentação das relações de trabalho e prejuízo aos trabalhadores. A Reforma Trabalhista impõe isso de forma contundente no Brasil. Os riscos para o teletrabalho aumentam neste contexto, apesar do IBGE ser um órgão público.”
Intensificação do trabalho
“Uma das principais consequências é que a empresa deixa de ter algumas responsabilidades em relação aos trabalhadores (custos, manutenção, equipamentos, acesso a internet, ambiente físico da residência, etc). O principal ganho é a intensificação do trabalho. A pesquisa indica que os trabalhadores tiveram que se virar para se adequar.”
Teletrabalho na pandemia
“O apelo da necessidade do isolamento social na pandemia é muito forte, o que pode abrir uma janela importante para a implantação de mudanças que já eram previstas. A reforma trabalhista dá aos gestores um menu de opções para organizar o trabalho adequado aos seus interesses. Uma delas é o teletrabalho.”
Economia para além do trabalho
“Manutenção de equipamento, internet, reforma da casa, além da cadeira não ser ergonométrica, a saúde em geral, caracterização de acidente de tabalho e doença ocupacional nessas condições. Isso tudo precisa ser pensado, porque gera economia do empregador, mesmo que o salário nominal se mantenha.”
Mudanças no trabalho, mudanças na organização dos trabalhadores
“Nessas condições, os trabalhadores enxergam vantagens, mas a questão é como garantir isso, porque também mudam as formas de luta, dificultando a capacidade do sindicato de fiscalizar. O caráter mais individualizado das relações capital/trabalho torna a situação desfavorável para os trabalhadores. Isso cria um grande desafio: quais serão as formas de organização, comunicação e ação coletivas para responder a esses desafios?
Trabalho temporário pode ampliar riscos
“Com o fim da pandemia as coisas não vão retroagir. O desafio é assegurar os direitos nessas novas condições. O crescente número de temporários pode se agravar ainda mais com o teletrabalho, o que é mais complicado para um órgão de excelência como o IBGE.”
Trabalho e descanso
“Agora há uma confusão entre tempo de trabalho e de descanso. Se a jornada de trabalho é regulada entre o tempo que saio e volto para casa, o que resta é o tempo de descanso. E agora? Como separar essas coisas? É preciso encontrar formas de propor a regulação da jornada e das condições de trabalho e salário. E isso terá que ser encontrado nos embates daqui para frente.”
Disputa na sociedade
“Aceitar ou não a continuidade deste trabalho? É algo que está na disputa das mentes, mas não se reduz apenas à dimensão objetiva dos pontos positivos e negativos. Isso depende muito do modo como essa disputa vai acontecer. Vejam o exemplo dos entregadores de aplicativos nesta crise, com sua luta. Já existem mais de 30 projetos hoje no Congresso sobre a regulamentação desta forma de trabalho.”
* Doutor em Sociologia/USP e Professor Associado da UFPB
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