Convidada a participar de Audiência Pública na Câmara dos Deputados para debater os cortes no Censo 2020 e sua influência sobre as políticas públicas para os idosos, a Presidente do IBGE não só não participou como não enviou sequer um representante. A atitude da Direção foi encarada pelos parlamentares presentes à Comissão dos Diretos da Pessoa Idosa como um desrespeito.
A Audiência, solicitada pela ASSIBGE-SN e convocada pelo deputado Marcelo Freixo (Psol/RJ) para 29 de maio, contou com a participação de Pedro Luís do Nascimento Silva (Pesquisador Titular da ENCE/IBGE), Fernando Gaiger (Pesquisador do Ipea) e Dione Oliveira (Economista do IBGE e diretora da ASSIBGE-SN).
Confira alguns dos trechos mais importantes das intervenções dos convidados:
Pedro Luís do Nascimento Silva (Pesquisador Titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas e do IBGE)
“Estamos vivendo um ataque sem precedentes no IBGE, por parte de pessoas que chegaram com um discurso de que precisamos enxugar o censo brasileiro.
“Em nível dos municípios, só o Censo com cerca de 2 e meio milhões de recortes permite definir políticas públicas para questões importantes: enchente, queda de edifício, queda de talude de uma barragem. Só o censo permite retratar o Brasil neste nível de detalhamento.
“O Brasil está em processo de envelhecimento populacional e vamos ter um desequilíbrio, porque a população idosa cresce e, simultaneamente, a população em condições de trabalhar vai reduzir sua participação na renda. A sustentação de regimes previdenciários e politicas assistenciais vai depender do conhecimento das condições de vida dessas populações.
“Lamentavelmente não temos um ministério dos idosos ou um órgão específico relacionado a esse segmento. Por isso, o Censo é crucial para essa parcela da população.
“O Censo 2020 planejado pelo IBGE era um censo enxuto, barato (15 reais ou 1,5 real por ano para cada brasileiro), eficiente e adequado às amplas demandas da sociedade que o IBGE auscultou. Os cortes no questionário estão sendo feitos de forma extemporânea, porque o planejamento não começou agora, o que pode nos levar a graves erros.
“Para se ter uma ideia da importância do que estamos falando, de acordo com pesquisadores da Nova Zelândia, cada dólar investido no censo daquele país equivale a cinco na economia. O Censo não é despesa, é investimento. Conclamo a todos a resgatar o Censo original”.
Fernando Gaiger (Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea e Professor da UNIEURO/DF)
“Essa decisão do Paulo Guedes de economizar com o Censo mostra como ele não tem nenhuma visão estratégica. É impossível abrir mão de dados sobre rendimento, mortalidade e aluguel e aplicar uma proposta como hipoteca reversa ou sistema de capitalização da Previdência, sem retaguarda. Isso demonstra falta de planejamento e incoerência.
“O IBGE precisa de mais recursos e não menos. A diminuição da mostra ou do questionário não vão ter impacto sobre investimentos. Todas as sugestões que surgem são de especialistas que querem reduzir os investimentos e não conhecem a elaboração do Censo. Acho um desrespeito às pessoas da IBGE.
“A grande dificuldade do Censo sempre foi a negação, a revisita. Com esse dinheiro (R$2,3 Bilhões) o IBGE não faz o Censo e eu tenho muito medo de que ele não aconteça. A gente já teve isso, com PNAD não realizada em 1994 e o Censo anacrônico de 1991.
“É preciso buscar outros parceiros para sensibilizar e demover o governo desta decisão”.
Dione Oliveira (Economista e diretora da ASSIBGE-SN)
“Estamos vivendo sob uma lógica fiscalista, que primeiro corta e depois resolve. Os ataques ao IBGE, à FioCruz e às Universidades indicam que essas instituições estão sendo podadas em sua capacidade de reflexão sobre a sociedade.
“Lamentamos que a Direção do IBGE não está aqui representada. Pelo que sabemos Presidente levou uma baita vaia na festa de aniversário do IBGE, apesar de dizer que tem dialogado com o corpo técnico. Não é isso que está ocorrendo.
“Vou me ater à importância do IBGE para políticas públicas voltadas aos idosos.
“O Censo permite a construção de estimativas populacionais, projeções de grupos populacionais específicos, entre eles o dos idosos. São estimativas por faixa etária, razão de dependência (jovens e idosos), índices de envelhecimento, taxas de morbidade por doença, taxa de mortalidade por idosos, etc. Apenas com projeções e estimativas de população é possível traçar políticas públicas em áreas de saúde, previdência e assistência. Para colocar em prática e monitorar o Plano Nacional do Idoso, criado em 1994, é preciso os dados do IBGE.
“A Comissão Consultiva do Censo recebeu no dia de ontem (28 de maio) 76 perguntas no questionário e 25 na mostra.
“A Pesquisa do Entorno foi cortada para 2020. O levantamento junto com a pré-coleta, realizado em 2010, identificou em cada face dos setores dez características básicas dos logradouros públicos, entre eles a existência ou não de calçada, rampa, coleta de lixo, iluminação. Essas informações são fundamentais para o desenho de políticas públicas que afetam diretamente os idosos.
“Os cortes incluem a migração internacional inteira, e migração interna, com prejuízos para as estimativas de população e prováveis consequências sobre os valores do FPM e do Fundeb. Houve também corte de bens duráveis (geladeira, moto, automóvel, etc), importantes para qualificar estudos de pobreza e deslocamento e alimentação. Outro corte foi no valor do aluguel, que incide sobre o cálculo do déficit habitacional do país. Também foram cortadas as questões sobre o tipo de ensino dos residentes, se público ou privado, se os residentes possuem outro trabalho, além da renda de cada um dos moradores, o que tem consequência nos estudos sobre desigualdade, à medida que só se pesquisará o responsável pelo domicílio.
“É importante frisar que este questionário de 76 pontos não voltou para os técnicos e o Conselho Diretor do IBGE foi convocado às pressas aprovou numa reunião relâmpago ontem (28/5). O Rios-Neto diz que o movimento dos trabalhadores do IBGE é um “ranger de dentes dos servidores”. Isso é uma desconsideração ao corpo técnico e a todos que participaram do processo de construção do questionário do Censo. Foram realizadas duas provas piloto, diversos seminários, o Infoplan, etc. Temos toda a propriedade para defender o nosso trabalho.
“Um argumento falacioso é dizer que o que ficar de fora será compensado por dados da PNAD e pelos registros administrativos. Não temos respaldo de dados em distritos, subdistritos e bairros, que só o Censo tem. A PNAD Continua só abrange capitais e regiões metropolitanas.
“Sem respaldo técnico passaram então a discutir a qualidade do questionário, mas nas provas piloto não há conclusão disso. A qualidade seria influenciada pelo número de perguntas? O tempo era de 7 minutos no questionário básico e 21 minutos na mostra. Depois de alguns ajustes, o tempo caiu para 15,8 minutos na mostra.
“Os R$ 2,3 bilhões anunciados para fazer o Censo 2020 dariam para realizar a contagem populacional de 2015, que não foi realizada, com atualização. Como fazer um Censo com o orçamento de uma contagem? Há muitos atrasos no projeto operacional e no projeto tecnológico. Não tem projeto que dê conta disso. Não temos pessoal para realizar as pesquisas contínuas do IBGE e, ao mesmo tempo, ampliar para o Censo, com a estrutura das agências em crise, sem pessoal suficiente. É bom frisar que há uma crise estrutural gravíssima no IBGE para além do Censo, que chamamos de um verdadeiro apagão estatístico. Sem dados precisos do Censo corremos o risco de não ter dados precisos da PNAD Contínua. Por isso, nossa demanda a este parlamento: precisamos de concursos públicos para dar musculatura ao IBGE.
“Em nome da ASSIBGE-SN fazemos uma saudação aos trabalhadores do IBGE e aos 83 anos do IBGE, estatísticos, técnicos, geógrafos. A gente espera muita longevidade para este Instituto, que é fundamental para a democracia no nosso país”.
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