Boa noite a todos os presentes, convidados e palestrantes, em especial aos colegas do IBGE de todos os cantos do país.
Nós, que todos os dias trabalhamos no levantamento de dados estatísticos, nos municípios do interior, nos lugares mais distantes e de difícil acesso, como em municípios da Região Norte, nas regiões metropolitanas e nas capitais do país, que realizamos e analisamos as pesquisas contínuas, que atualizamos mapas e marcos geodésicos, sabemos mais do que ninguém da importância do nosso trabalho para o conhecimento da realidade brasileira.
O IBGE de hoje é um esforço dos pioneiros, como Teixeira de Freitas, Macedo Soares, de tantos outros geógrafos, estatísticos, economistas, cartógrafos, sociólogos e de dezenas de milhares de servidores de diferentes formações que dedicaram parte significativa de suas vidas para retratar o país em dimensões fundamentais para o conhecimento da realidade e a ação política.
Só com a força dos dados oficiais é possível conhecer e modificar um país. Todo o planejamento e a tomada de decisões estratégicas depende dos dados oficiais, inclusive no que tange à definição da legislação necessária para traçar políticas públicas. Do Fundo de Participação dos Municípios ao cálculo do PIB, passando pela dinâmica demográfica, do mercado de trabalho às desigualdades sociais, o IBGE trabalha para informar o Estado e a população sobre a realidade do país.
Ao longo desses mais de 80 anos o IBGE se afirmou como um órgão de Estado fundamental para o país. Em todo esse tempo de existência, atravessamos períodos políticos distintos, com regimes de todo tipo, mas os dados do IBGE foram coletados e analisados, como um sinal de aviso, às vezes de alerta, de um país cheio de recursos, que grita por justiça social e melhores condições de vida para o seu povo. Aglutinando as medidas estatísticas e geográficas, o IBGE é um órgão complexo para dar conta da complexidade do Brasil.
Durante e após a ditadura militar nós, trabalhadores do IBGE, nos dedicamos a lutar para além de reivindicações corporativas, como salários e carreira dignos. Pautamos sempre o debate institucional, sempre em defesa do IBGE e da ampla participação no processo de tomada de decisões internas. Nossa ASSIBGE-SN teve papel fundamental na redemocratização do país na década de 80. Estivemos na linha de frente de greves, mobilizações e paralisações em todo o país desde a sua fundação. E cada vez mais amadurecemos a importância de defender, aprofundar e exigir MAIS DEMOCRACIA.
Nos dias atuais há quem veja nas limitações da democracia, nas políticas públicas, nos serviços públicos e até nos direitos humanos os grandes vilões da sociedade brasileira. Para nós, ao contrário, o Brasil carece de mais investimentos e políticas sociais. E isso só é possível se o nosso país tiver a coragem de reconhecer seus problemas e seu potencial. É aí que entra o papel do IBGE.
Queremos um IBGE que mostre à sociedade o Brasil como ele de fato é, suas desigualdades, suas diferenças, a vida de seu povo. Para isso, precisamos de um IBGE robusto, com orçamento e quantitativo de servidores adequados, alicerçado em pessoal capacitado e motivado, sem precarização, para trabalhar ainda melhor do que já fazemos. Precisamos de um IBGE capaz de detectar as múltiplas realidades regionais e setoriais, que se modificam ao longo do tempo.
Enfim, se apostamos na necessidade de MAIS DEMOCRACIA, temos que apostar em mais IBGE. Não podemos seguir de pires na mão, entra governo sai governo, para fazer o máximo possível com o mínimo necessário. Não se pode admitir como algo natural que tenhamos trabalhadores temporários para atividades contínuas, substituindo os trabalhadores efetivos do IBGE. Não se pode apostar na precarização da força de trabalho e das condições de remuneração.
A informação se transformou em matéria de primeira necessidade para a sociedade contemporânea. Daí também a importância da independência dos órgãos de pesquisas oficiais, evitando-se interferências e desvios, de acordo com a conveniência deste ou daquele governo de plantão.
Cientes disso, setores do mercado – com ramificações no Congresso Nacional – se apresentam para fazer da informação estratégica uma fonte de lucro. Em seminário sobre georreferenciamento no Senado, falou-se em novo marco regulatório na área sob a hegemonia de empresas privadas, proposta refutada pelo IBGE, e tomou-se como justificativa o desmonte das Geociências no IBGE.
Internamente, trabalha-se com a proposta de um novo Estatuto, legislação estatística e regimento interno, além do Projeto Rede, do planejamento estratégico. Nada disso passa pelo conhecimento e a participação massiva dos trabalhadores do IBGE.
A concentração e centralização do poder afeta a dinâmica institucional. O IBGE não pode dar as costas ao desejo de mais democracia que ecoa por toda a sociedade. Foi a partir da negativa das direções passadas do IBGE em convocar um congresso institucional para debater prioridades, projetos, metas, orçamento e definir pessoal e as condições materiais necessárias para a execução de um planejamento estratégico, que o nosso Sindicato decidiu realizar o I Congresso Democrático sobre o IBGE, em 2009.
Naquela oportunidade, além dos debates sobre diversos temas, foram aprovados documentos fundamentais que apontavam para a necessidade de um cuidado especial com todas as áreas do IBGE, com especial alerta sobre as Geociências, sugerindo dez pontos para a condução do IBGE. Entre as conclusões, havia um alerta no que diz respeito ao risco de paralisia dos trabalhos da instituição, decorrente na não realização de concursos para recompor o seu quadro de trabalhadores efetivos, situação que o IBGE agora reconhece como grave.
De lá para cá, as propostas apresentadas foram muito pouco aproveitadas pelas direções do Instituto. Ao contrário, seguimos sob a lógica que divide os que mandam dos que executam tarefas. A democracia que queremos não é uma formalidade, uma escolha entre os que vão dirigir a instituição a partir da indicação do governo de plantão, com carta branca dos servidores da casa. Ela exige uma reformulação do processo decisório, em que o conjunto dos trabalhadores participe das decisões que afetam sua vida laboral, absorvendo não apenas a carga de trabalho, mas a definição do futuro da instituição à qual dedicam seu esforço todos os dias.
Em 2014, diante da iminência de uma crise que poderia paralisar o IBGE e da falta de interlocução com a Direção, os trabalhadores foram à greve. O movimento tinha por objetivo defender interesses imediatos, mas também denunciar a precarização a que o nosso instituto estava submetido, sem pessoal, sem equipamentos, com uma intensa centralização do poder. Este recurso drástico e que até hoje ainda deixa feridas abertas na Instituição (como a demissão de quase 200 trabalhadores temporários e a imposição de medidas punitivas aos demais), foi a expressão dramática do que pode causar a ausência de democracia interna.
O saldo daquele movimento foi que a sociedade brasileira passou a ter acesso ao quadro de dificuldades do IBGE, o que deveria servir para que novas medidas fossem tomadas no sentido de preservar o Instituto. Tivemos também a conquista de uma pequena melhoria salarial para os temporários e a abertura do debate sobre a reestruturação de nossa carreira funcional, ao final da greve.
Seguem os debates sobre a carreira, mas infelizmente as notícias não são lá muito promissoras, como todos estão acompanhando pelos informes de nosso Sindicato.
Afinal, um governo que aprova um teto de gastos por 20 anos para todo o setor público, tem como meta cortar investimentos e reduzir a prestação de serviços à população.
Também experimentamos um período de mudanças bruscas, a partir do rompimento institucional, em 2016, que gerou um governo ilegítimo, prolongando a crise econômica e intensificando a crise social, como confirmam os dados do IBGE. O caráter aventureiro do governo Temer repercutiu no IBGE, em uma administração voltada para o marketing pessoal, que visava ampliar a noção de gestão privada dentro do IBGE, a partir da possibilidade de transformar o Instituto num verdadeiro balcão de negócios.
Felizmente, por circunstâncias políticas, o perigo da gestão mercadológica foi afastado provisoriamente. O problema é que não há mecanismos institucionais que previnam que ameaças deste tipo voltem a ocorrer. Não há Congresso Institucional.
Não há eleições internas. Há poucos espaços para a participação nas decisões. A melhor forma de combater aquela visão é retomar a missão institucional do IBGE, de retratar o Brasil em toda a sua amplitude. É para isso que se faz necessário o diálogo permanente com seus trabalhadores e deles com a sociedade.
Queremos que os nossos povos originários, os povos tradicionais, os nossos sem-terra e sem-teto, que os nossos irmãos das periferias e favelas, a juventude, as mulheres, os LGBTs, participem da construção de um IBGE democrático, voltado para a maioria da sociedade. Queremos que essa democratização se estenda também à relação com a imprensa, com a intelectualidade e com setores da sociedade civil que são pouco retratados e, consequentemente, marginalizados pelo poder público.
Essa relação só pode se tornar realidade se o IBGE mantiver seus tentáculos em todo o país, até os rincões mais distantes e fronteiriços do território nacional. É preciso retomar os concursos públicos com urgência, para que se possa preencher todas as vagas que estão abertas e as que foram perdidas ao longo dos últimos anos. É preciso garantir um orçamento compatível com a execução do plano de trabalho do IBGE, sem recorrer a medidas de precarização. É preciso um plano de carreira que dê estabilidade e condições de promoção e progressão aos trabalhadores, para que façam de suas
funções no IBGE um projeto de vida, como fizeram gerações passadas de ibgeanos. É preciso, sim, um novo Estatuto, que democratize as estruturas e dê voz ativa aos servidores e aos usuários, do qual conste a realização periódica de um Congresso Institucional para definir metas e prioridades, além da escolha, pela via da eleição direta, dos dirigentes do órgão, das chefias de Unidades Estaduais e a presidência do IBGE.
Se isso não ocorrer com urgência, o IBGE corre o sério risco de não conseguir dar conta do seu programa de trabalho corrente, muito menos do Censo Demográfico de 2020. E logo surgirão propostas para reduzir ou desidratar o Censo, como ocorreu recentemente no caso do Censo Agropecuário.
É para enfrentar esses desafios que a ASSIBGE-SN fez o esforço de organizar este II Congresso Democrático sobre o IBGE. Serão dois dias de trocas de ideias, de debates, de questionamentos e de sugestões, que pretendemos recolher e apresentar em nossa Plenária de Encerramento. Este é um espaço de diálogo entre servidores do IBGE e a sociedade, para a definição de propostas que importam para o futuro da instituição.
Parafraseando a campanha de uma certa emissora de TV, o que nós queremos é que a democracia deixe de ser apenas uma palavra de ordem ou um evento festivo periódico, mas se enraíze como forma de funcionamento da sociedade brasileira, do Estado e de suas instituições. O II Congresso Democrático sobre o IBGE cumpre a função de pautar a relação entre o Estado e a sociedade, no que tange ao retrato estatístico e geográfico do país. Que ele possa servir de estímulo para outros setores e, assim, possamos iniciar um novo ciclo no nosso país. O Brasil que nós queremos é o que se reconheça na realidade dos dados produzidos pelo IBGE, para encontrar soluções para o seu povo agora e no futuro.
A ASSIBGE-SN deseja a todos um bom Congresso!
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