Em Audiência Pública na Câmara dos Deputados, convocada para debater o Censo 2020, a coordenadora operacional da pesquisa, Maria Vilma Salles Garcia, deixou claro que a Direção do IBGE ainda não sabe o tamanho do corte e qual será o orçamento da operação censitária. “Não temos ainda o limite de verba determinado pelo Ministério da Economia, os 25% foram uma sinalização”, admitiu.
Segundo Vilma, a nova Presidente chegou ao IBGE com a determinação de fazer um censo de qualidade e menos custoso. O governo orientou a reavaliar o projeto e fazer os ajustes necessários. Uma das formas seria lançar mão de registros administrativos, pesquisas amostrais e novas ferramentas tecnológicas, para dar mais eficiência. A coleta pela internet também pode ser usada.
A coordenadora informou ainda que esteve em reunião com técnicos do Tesouro Nacional e ali ficou claro que o IBGE deverá disputar recursos com outros órgãos e setores do governo. “Queremos fazer um censo de qualidade, porque o IBGE prima pelos seus trabalhos. Estamos agora só aguardando a questão do questionário. Dá para fazer e estamos torcendo para isso”, concluiu.
Ex-Presidente alertou para riscos
Eduardo Pereira Nunes, que presidiu o IBGE por oito anos, foi enfático em sua avaliação, criticando os cortes no orçamento e a substituição de parte das perguntas do questionário por pesquisas com base em registros administrativos. Para ele, somente o censo tem a abrangência necessária para atingir os quatro cantos do país.
“Para se ter uma ideia, dois mil municípios dependem exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios. Quem pagará o preço será a população que neles residem. E o IBGE também pagará por isso”, alertou.
Nunes também foi duro com a postura da Direção do IBGE em relação ao governo. “É a instituição que se oferece ao corte? Não é assim que se negocia. Se continuar do jeito que está vão oferecer centavos”.
Sobre o custo do Censo, Eduardo relativizou os números. “Arredondando, com as cifras de hoje o censo custa 15 reais por habitante ou 1,5 real por ano durante uma década, que é o período para a realização de um novo censo”.
Eduardo Nunes criticou a ideia de pensar a operação censitária a partir do orçamento para adequar o projeto técnico. Segundo ele, o lógico seria o contrário. “As áreas de Estatística e Geociências do IBGE é que vão garantir o projeto”. E completou afirmando que realizar o censo da maneira que pretende a atual direção do órgão é uma temeridade e pode levar à proposta de uma contagem em 2025, o que vai acabar gerando o mesmo custo do orçamento original.
Demógrafo afirmou que não há motivos para cortes no questionário
Já o demógrafo e técnico do IBGE, Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira, usou os exemplos de censos fracassados no Paraguai e no Chile, em 2012, para expor suas preocupações com o Censo 2020. No Paraguai houve 25% de sub enumeração e os motivos, segundo ele, foram uma crise política, a mudança de governo e a falta de recursos humanos e financeiros. No Chile teria ocorrido falta de planejamento, desorganização e mudança do questionário de última hora. “Ou seja, estamos caminhando para cometer os mesmos erros dos países vizinhos”, apontou Tadeu.
De acordo com o demógrafo, foram feitos vários testes (internet, laboratório, prova piloto em 2018 e em março/2019) para preparar o Censo 2020, além de consulta pública e conversas com os usuários. A prova piloto de agosto de 2018 contou com 150 perguntas. “O que me causa estranheza é que isso não foi problema naquele momento”, disse.
Com o novo governo veio a orientação de cortar o questionário. O número de perguntas foi reduzido para 127, com base no que não deu certo na prova piloto. A Presidente do IBGE convidou o professor Paes de Barros e ele apresentou considerações sobre possíveis cortes, mas acabou convencido pelos técnicos da casa sobre a justeza do questionário. Ainda assim foram retirados alguns pontos e uma nova proposta, com 98 perguntas, foi levada à Presidente.
A resposta foi a exoneração do diretor de pesquisas, Claudio Crespo, e sua substituição por Eduardo Rios-Neto. Agora, Rios-Neto tem prazo até a próxima semana para apresentar sua proposta para o questionário do Censo 2020.
De acordo com Tadeu, o questionário formulado pelos técnicos do IBGE garante a qualidade, minimiza problemas com séries históricas e assegura a realização de políticas públicas. “Até agora não apareceu nenhuma argumentação capaz de afirmar o contrário”.
Sindicato denunciou o risco de apagão estatístico
Através de sua diretora, Dione de Oliveira, a ASSIBGE-SN denunciou o que classifica de intervenção do governo no IBGE e o que qualifica de verdadeiro apagão estatístico no país. Além dos problemas com a operação censitária em curso, o órgão vive uma drástica redução de pessoal, que pode comprometer as pesquisas contínuas, em função do deslocamento de servidores para as tarefas do censo.
“A resposta que obtemos às questões que levantamos é sempre que está tudo em aberto. Acontece que estamos a apenas um ano e três meses do início da coleta”, frisou Dione.
“Qual a nossa condição de substituir dados do censo pelos da PNAD Contínua, se a rede de coleta está em colapso, com 14 agências fechadas até abril, com 44% delas com até dois trabalhadores e 70% com no máximo três”, questionou a dirigente da ASSIBGE-SN. Ela acrescentou que dos atuais servidores do quadro 30% já estão em condições de se aposentar e não há perspectiva de concurso público.
Ao criticar o que classifica como intervenção, Dione citou a reunião com técnicos do IBGE, em março deste ano, na qual a representante do Banco Mundial propôs nove mil domicílios para a amostra do Censo 2020, quando o país possui mais de cinco mil e 500 municípios. “Não há nem como discutir uma proposta dessas”, sentenciou.
Quanto à possibilidade aventada de um censo misto, com registros administrativos e pesquisas amostrais para cobrir possíveis lacunas do Censo 2020, Dione lembrou que a PNAD Continua atinge apenas as capitais, mas não alcança a maioria das cidades do país.
Em sua conclusão, a dirigente sindical apresentou uma série de questões que ainda carecem de respostas:
. Qual é de fato a proposta para o Censo 2020?
. É simplesmente uma contagem populacional?
. Como vai se apresentar a proposta de orçamento para a LOA sem que esteja 100% concluído o projeto técnico do Censo 2020?
. Será um questionário chancelado pelo corpo técnico ou pelo novo diretor de Pesquisas?
Parlamentares demonstraram preocupação com o IBGE e o Censo 2020
Todos os deputados presentes a Audiência Pública de 21 de maio (17 marcaram o ponto), expressaram preocupação com a situação do Censo 2020 e com o IBGE. Nova audiência está prevista para 29 de maio, também na Câmara. Chico D´Ângelo (PDT/RJ) renovou o convite para a homenagem ao IBGE, que será prestada no Plenário da Câmara, em 5 de junho.
Além de Nelson Pellegrino (PT/BA), que propôs a realização da Audiência, fizeram intervenções e perguntas os deputados Paulo Ramos e Chico D’Ângelo (PDT/RJ), Sâmia e Áurea Carolina (Psol), Érika Kokay (PT/DF) e Professora Marcivania (PCdoB/AP), presidente da CTASP.
(Segunda edição – 23/5/2019)
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