Novas pesquisas criadas nos últimos sete anos, uma demanda cada vez maior por dados estatísticos que servem de base para a tomada de decisões governamentais, políticas, empresariais e sociais, e a ampliação de pesquisas tradicionais para retratar de forma cada vez mais fiel a realidade brasileira. Essa tem sido a rotina recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBG E). O problema é que o instituto se vê obrigado a encarar todos esses desafios ao mesmo tempo em que enfrenta um constante e contínuo enxugamento de seu quadro funcional.
Desde 2010, o IBGE perdeu 20,1 do total de servidores permanentes, São 1,4 mil trabalhadores a menos. A redução de pessoal é um dos principais fatores para que pesquisas atrasem ou sejam adiadas, situação que abre espaço para que o órgão receba críticas de consultorias, economistas e sindicalistas.
Nos últimos sete anos, o IBGE lançou, entre outros estudos, a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), o Índice de Preços ao Produtor (IPP) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), que substituiu a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e tem abrangência nacional.
No mesmo período, o número de funcionários, que era de 6.971 no quadro permanente no fim de 2010, caiu para 5.572 em fevereiro de 2017. O cenário administrativo do IBGE é, no mínimo, desafiador. A falta de servidores e o orçamento insuficiente são os dois principais problemas. O relatório de gestão de 2015 já apontava riscos relacionados ao pessoal: “atualmente as atividades encontram-se severamente ameaçadas face a situação do quadro de pessoal permanente”, escreveu a direção no documento.
Entre 2010 e 2016, enquanto o IBGE perdeu 2.832 servidores para a aposentadoria, ingressaram no órgão 1.708 trabalhadores efetivos, segundo dados do sindicato nacional dos servidores (ASSIBGE). O saldo é uma perda líquida de 1.124 trabalhadores no período. Essa perda tende a continuar nos próximos anos porque 37,7 dos servidores já têm mais de 31 anos na casa e se aproximam da aposentadoria.
O déficit de pessoal começou a se agravar ao longo da década de 1990, quando praticamente não houve entrada de quadros, segundo a direção executiva. Além da aposentadoria, a concorrência de outras carreiras também rouba pessoal do instituto.
O órgão perde servidores para outras carreiras com salários mais atrativos, ressalta Marcos Lisboa, presidente do Insper. “O IBGE deveria ser preservado, ter mais cuidado para garantir a sua capacidade em prover as estatísticas para acompanhar a economia. Perdemos informações importantes sobre como estão avançando várias áreas do país”, lamenta o economista. Em um caso recente, uma profunda revisão nos dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) e na Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) desorientou as análises econômicas.
Na avaliação de Lisboa, a modificação “não seguiu a boa prática”. Segundo ele, o IBGE fez uma mudança metodológica incompleta, que inviabilizou a comparação dos resultados de 2017 com os dados dos anos anteriores. “É como se o termômetro tivesse quebrado”, comparou Lisboa. O instituto descarta qualquer tipo de eITO por parte dos técnicos.
A revisão teve origem na mudança do cálculo do ano-base, que serve de referência para ponderar o peso que cada uma das atividades tem na pesquisa. Desde janeiro, o ano-base mudou de 2011 para 2014. Para os números divulgados até dezembro de 2016, porém, o ano-base continua sendo 2011, o que impede comparações mais exatas. Embora o IBGE tenha marcado um encontro com analistas de mercado para explicar as revisões metodológicas nas duas pesquisas, as dúvidas persistem. Uma carta enviada ao instituto no fim de abril pelo Conselho Nacional de Economia (Cofecon) ainda não foi respondida, segundo o Júlio Miragaya, presidente da entidade.
O conselho queria explicações mais detalhadas sobre a mudança na PMC e na PMS, e estava “preocupado com as consequências de mudanças tão abruptas, não só no auxílio às avaliações de conjuntura econômica, mas também num possível arranhão na imagem desta instituição”.
Os resultados de janeiro do comércio e dos serviços foram revisados de queda de 0,7 para alta de 5,5 e de recuo de 2,2 para aumento de 0,2, respectivamente. A qualidade das pesquisas pode ter relação direta com a perda de servidores, aponta o ASSIBGE. “A situação orçamentária do IBGE está diretamente ligada à sua autonomia técnica na definição do seu plano de trabalho, periodicidade, abrangência e profundidade das pesquisas”, destacou Cassius de Brito, diretor da executiva nacional do sindicato.
No relatório de gestão de 2015, último balanço disponível publicamente, a direção do instituto já havia alertado para o problema: Sem pessoal, “0 IBGE estará sujeito ao não cumprimento do programa institucional, à ocorrência de erros nos resultados divulgados, a riscos concretos de cortes nas pesquisas e à perda de precisão e agilidade na coleta e disseminação dos dados”. Questionada pelo Valor, a atual presidência do IBGE admite que “é inegável que, com o aumento das aposentadorias, a redução grande pode dificultar a execução do plano de trabalho”
Por outro prisma, desde que chegou, em junho do ano passado, o presidente Paulo Rabello de Castro adotou a bandeira da produtividade: “o IBGE e o serviço público terão de ser criativos, fazendo mais com menos”.
O discurso de Paulo Rabello não agrada aos servidores. Para o sindicato da categoria, o corte de pessoal se traduz em um aumento da carga de trabalho. “Cada perda do orçamento, em que se dá um jeitinho para fazer a pesquisa ‘caber’ no ‘cinto apertado’, pavimenta o caminho para o torniquete posterior”, escreveu a direção do ASSIBGE em um comunicado aos funcionários do órgão, no mês passado, logo depois de a diretoria do instituto confirmar a realização do Censo Agropecuárío com apenas metade dos recursos inicialmente previstos.
Desde 2012, essa pesquisa não conseguia sair do papel. O instituto chegou então à conclusão de que, ou fazia o levantamento com quase metade dos recursos previstos ou cancelava a principal pesquisa rural brasileira. A proposta inicial, enviada ao Poder Executivo e não aprovada em Brasília, previa orçamento de R$ 330 milhões, para este ano, e R$ 1,3 bilhão, em 2018. No início de abril, o IBGE reuniu jornalistas para explicar o corte de quase 50 nos recursos do Censo Agropecuário.
Para 2017, uma emenda parlamentar alocou R$ 505 milhões no orçamento de 2017. O IBGE ainda vai precisar garantir para o próximo ano R$ 277 milhões, que serão usados para finalizar o levantamento. “Nós ficamos sozinhos tentando recuperar esse dinheiro”, lamentou o diretor de pesquisas do IBGE, Roberto Olinto. A frase soa como um desabafo sobre as perdas que o instituto vem sofrendo nos últimos anos.
O sindicato dos servidores do IBGE avalia que o Censo Agropecuário vai ficar incompleto. Para Cassius de Brito, do sindicato, a pesquisa deve retratar bem o agronegócio, mas vai deL'{ar a agricultura familiar, o uso de agrotóxicos, o uso da água, entre outros temas, apenas com o registro da existência, porém sem dados mais qualificados.
o Censo Agropecuário tem “papel fundamental porque é um retrato da agropecuária brasileira”, avalia Marcelo José Braga, professor do departamento de economia nua I da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Apesar dos cortes implementados pelo IBGE no questionário para deixar o levantamento mais rápido e barato, Braga considera que a redução não irá provocar grandes prejuízos às informações, porque o instituto conseguiu preservar os principais temas.
“O prejuízo existe porque o questionário não é completo, mas numa análise de custo e benefício é um bom levantamento”, ponderou.
O Ministério do Planejamento, pasta à qual o IBGE está vinculado, informou que “houve liberação de R$ 46 milhões para compra de tablets {R$ 30 milhões) e aquisição de veículos CR$ 16 milhões) para a realização do censo. Portanto, o MP [Ministério do Planejamento] não vê qualquer risco para as atividades do IBGE”.
No início do mês, o IBGE divulgou ter recebido a autorização para a nomeação de cerca de 300 servidores que foram aprovados em um concurso realizado em 2015. Se o instituto conseguir convocar todo esse contingente, vai compensar os 260 servidores que devem se aposentar em 2017, segundo o sindicato. Pela assessoria de imprensa, o órgão informou que desde 2015 já admitiu 600 pessoas aprovadas no concurso daquele ano.
As novas convocações, segundo o IBGE, começam a ocorrer a partir da próxima quinta-feira, dia 11. Segundo o Ministério do Planejamento, “os concursos públicos no Executivo Federal estão restritos por medida de ajuste fiscal”. As novas contratações chegam para aliviar o déficit de pessoal de longa data. “As limitações de recursos humanos já têm, há algum tempo, reduzido a capacidade institucional de entregar no tempo devido produtos de grande relevância para as políticas públicas”, escreveu a diretoria no relatório de gestão de 2015.
Entre os estudos prejudicados está a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que deveria ter sido realizada entre 2014 e 2015 e foi adiada. Também foram cancelados parte dos questionários da Munic e a Estadic, que traçam o perfil socioeconôrnico de cidades e Estados no país.
O adiamento da POF, que mensura estruturas de consumo, dos gastos e dos rendimentos das famílias atrasa também a reponderação dos pesos no cálculo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O último levantamento foi realizado entre 2008 e 2009. A realização da POF, segundo o instituto, está prevista para ser iniciada entre 2017 e 2018.
Mais de 60 das agências do IBGE de um total de 584 em todo o país encontravam-se, em 2015, em situação extremamente preocupante por causa da falta de servidores para a execução de atividades básicas. As agências são as bases locais do IBGE, é de lá que os pesquisadores partem para o interior do país em diferentes levantamentos estatísticos, econômicos e geológicos.
Além do quadro de pessoal, o orçamento total destinado ao instituto também está sendo sufocado. Os ajustes orçamentários são baseados na inflação do ano imediatamente anterior e o instituto não tem conseguido repor integralmente as perdas com a inflação. Em 2015, o orçamento empenhado do IBGE cresceu 4,8, para um IPCA de 6,41 no ano anterior. Em 2016, o crescimento do orçamento foi de 10,2, para uma inflação de 10,67 em 2015.
No ano passado, o orçamento total do IBGE foi de R$ 2,3 bilhões. Em 2017, a Lei Orçamentária Anual (LOA) destina R$ 2,9 bilhões para o IBGE. O montante é 27,7 maior que no ano anterior porque inclui os recursos para o Censo Agropecuário. Ao Valor, o instituto informou que “a verba do IBGE relaciona-se a um plano de trabalho. O custeio e investimento do instituto cresceu 30 em 2016, revertendo a tendência negativa”.
Por Robson Sales – Valor Econômico – 11/5/2017
Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/4964808/ibge-tenta-driblar-desmonte-e-fazer-mais-com-menos
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