Estudo produzido pelo Instituto Questão da Ciência diz que cortes no IBGE provocam ruptura da série histórica
O Instituto Questão da Ciência (IQC) divulgou, na última segunda-feira (3), uma nota técnica recomendando a não realização do Censo em 2021 por falta de verbas. O governo Bolsonaro (sem partido) cortou 96% do orçamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para este ano. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a realização do Censo, em decisão questionada por servidores do órgão.
Embora reconheça a importância incontestável do Censo, o IQC alerta para o risco de contaminação de agentes censitários e considera que os cortes “já têm comprometido a qualidade” da pesquisa.
“Esses cortes já não são apenas orçamentários, e têm impactado e alterado os instrumentos de coleta, com consequência na redução dos questionários
da amostra e do universo, repercutindo, com isso, na ausência de informações importantes, como a emigração internacional, o aluguel, a posse de bens de consumo duráveis, o cálculo da renda domiciliar per capita e da pobreza, entre outros temas importantes”, diz o texto.
Mesmo que o Censo seja realizado, a nota técnica aponta que haverá “ruptura das séries históricas, ocasionada pela supressão de questões nos instrumentos de coleta. Seus efeitos em termos de apagão estatístico, isolamento internacional, apagamento de processos sociais e obstaculização de políticas públicas desautoriza a realização do Censo em 2021”.
Risco aos agentes
“A crise sanitária do Brasil exige que o treinamento de preparação de agentes censitários e recenseadores seja composto por um módulo enfático sobre medidas preventivas e comportamentos de risco de contaminação. O documento ‘Protocolo de Saúde’, além de insuficiente, não é substituto para este módulo específico de treinamento”, completam os autores da nota.
O estudo é assinado por Daniel J. G. Lahr, livre docente no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), e Luís Felipe A. Magalhães, pós-doutorando no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
O Censo Demográfico é a principal pesquisa social no Brasil, abrangendo todos os domicílios brasileiros, simultaneamente, em todo o território nacional. Os resultados obtidos pelo IBGE orientam políticas públicas para superação de problemas sociais e mitigação das desigualdades.
O ICQ é presidido por Natalia Pasternak, PhD em Microbiologia, que vem se posicionando publicamente contra o negacionismo do governo Bolsonaro.
Diante da crise sanitária que o país enfrenta, os autores analisam os benefícios e limites de se treinar os agentes à distância.
::Corte de 96% no orçamento do Censo causará “apagão de dados” para políticas públicas::
“A sugestão é que a vasta maioria das atividades seja realizada nesta modalidade, restando apenas as atividades práticas essenciais em modalidade presencial. Deve-se atentar ao principal problema apresentado nas iniciativas online em nosso país: o acesso desigual a recursos de tecnologia informática e internet entre os cidadãos”, alertam.
As metodologias apresentadas pelo IBGE para mitigar os riscos da pandemia são “superficiais” e “insuficientes”, segundo o IQC, que pede a revisão desses protocolos antes da realização do Censo.
Navegando no escuro
A ruptura da série histórica tem alto custo para o país, segundo a arquiteta e urbanista Danielle Klintowitz, que coordenadora o Instituto Pólis.
Em entrevista recente ao Brasil de Fato, ela diz que, sem as informações do Censo, o Brasil estará “navegando no escuro”.
“Desde 2019, o Censo vem sofrendo ataques do governo, quando o Ministério da Economia propôs cortes a perguntas do Censo, sendo que o Ministério da Economia não tem expertise suficiente pra isso, pra entender quais são as variáveis importantes”, disse.
“Seria possível ainda termos um Censo, se o governo federal nos der o orçamento para que o IBGE possa fazer esse planejamento. Mas, certamente, o Censo não será mais realizado em 2021. Mesmo assim, seria fundamental que isso acontecesse, mesmo que fosse em 2022”, finalizou.
Edição: Vinícius Segalla
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