Morreu Presidente. Sergio Luiz Santos das Dores, o Presidente das ruas. Morava na rua. Fez da Cinelândia o seu lar. Ali recebia amigos. Discutia política. Participava das manifestações, passeatas, ocupações.
Respeitado por sua postura, coragem e coerência. Fonte segura de informações importantes. Querido pela sua forma carinhosa de se chegar. Presidente sabia como encantar. E conquistou os corações de quem com ele militava e convivia.
Moradores de rua. Corpos sem rostos. Sem nome. A gente olha como se não fossem mais que obstáculos. Desvia e aperta o passo com medo de ser abordado. O que leva uma pessoa a acabar na rua? Que histórias ela viveu antes? Teria família?
A gente não sabe. Mas sente na pele as horas em que a vida é cachorra. Má. Chicoteia sem pena. Fracassos e quedas são inevitáveis para todos. Cada um reage de um jeito. Há os que brigam com ela. Se atracam, lutam. Outros nem reagem.
Sergio Luiz teve seus maus pedaços. Mas lutou, deu seu jeito. E em meio a tanto anonimato, se destacou a ponto de virar Presidente. Um morador de rua. Mobilizou as pessoas na morte, como na vida. Se fez tão importante que será velado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
A câmara não tem representado o povo há algum tempo. Muito menos tem se aberto a ser a casa dele. Mas hoje ela recebe um cidadão ilustre. Mais digno e bravo que tantos que por ali entram e saem. Esse é o grande valor desse ato: um homem íntegro na câmara.
Presidente será velado na Cinelândia. Seu lar e reduto. Onde escolheu viver. De lá partirá com direito a um cortejo com banda de música até o cemitério do Catumbi. Ou seria mais adequado dizer em passeata? Partirá em sua última passeata. Afinal, Presidente é presidente. E esse era dos melhores. Um Presidente que lutou do lado de seu povo. Defendeu até o fim os direitos dos injustiçados, tem mesmo que ter pompas e circunstâncias.
Presidente foi a prova viva de que tudo pode ser superado. O vício no álcool, o frio e o desconforto das ruas, o Parkinson que lhe tremia a voz, a solidão. Soube dar sentido à vida. Mesmo franzino, soube lutar como leão.
Foi vencido. Talvez não pela doença em si. Foi morto pelo descaso que os governantes vêm tendo com a saúde pública no nosso Rio de Janeiro. Não venceu a morte. Mas para as pessoas que lutaram junto com ele, para esses, será inesquecível e imortal.
Num mundo de consumismo desenfreado, nosso Presidente do povo deixa uma grande lição. Não precisa posses, dinheiro, nem cartão. Sem lenço, talvez nem documentos, Presidente soube mostrar que dignidade é mais do que terno bonito e impecável. E o que faz um homem virar gigante não é a carteira, nem o extrato do banco. É a alma.
Presidente escolheu morar na rua. Talvez porque a rua seja o lugar onde o povo deveria estar. Lutando por seus direitos, por um mundo melhor. Marcando território. Soltando a voz, exigindo ter vez. Esse homem me representa!
Velório marcado para hoje, quarta feira, dia dezesseis de dezembro de nove as treze horas. O cortejo sairá da câmara e levará ao sepultamento as quinze, no cemitério do Catumbi.
Um homem que, sem nada, mobiliza tanta gente, esse soube ser Presidente. E morará para sempre nos corações que ele tão bem soube conquistar.
Perto do Natal, um homem simples, humilde, pobre, vindo do povo, junta as pessoas em torno dele e deixa uma mensagem de luta pela justiça e pela paz. Talvez não seja só mera coincidência.
Vá em paz, Presidente.
Por: Mônica Raouf El Bayeh em 16/12/15 (Extra/O Globo)
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.