RIO — Com custo estimado de R$ 3,4 bilhões, cerca de R$ 16 por habitante, o Censo 2020 está ameaçado por falta de recursos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que o IBGE reduza o número de perguntas da pesquisa, à semelhança do que ocorreu nos Estados Unidos, para viabilizá-la com um custo total mais baixo. A solução é considerada inviável pelo pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, Pedro Luis do Nascimento Silva, que dirigiu o Instituto Internacional de Estatística entre 2015 e 2017.
Segundo ele, o Censo brasileiro já é “barato” e “enxuto” para a necessidade do país de conhecer bem sua população para traçar políticas públicas.
Por que o Censo é importante?
O Censo gera uma série de informações sobre a população. É um alicerce para outras pesquisas, para a tomada de decisões pelo Estado e a definição de políticas públicas. Só ele dá informações detalhadas sobre os mais de cinco mil municípios brasileiros. É a base para a União distribuir recursos a estados e municípios, direcionar campanhas de saúde e definir a quantidade de vacinas necessárias em cada cidade, além de ser norteador da construção de escolas e da alocação de vagas. É feito em todo o mundo.
Como ele é feito no Brasil?
É organizado pelo IBGE, que segue os padrões internacionais propostos, uma vez a cada década, sempre nos anos com final zero. O próximo ocorrerá em 2020. Há três modalidades de Censo no mundo. O realizado no Brasil, em que o entrevistador vai até a casa de todas as famílias colher informações, é o tipo mais usado por outros países. São aplicados dois questionários. Todas as famílias respondem o básico. O questionário mais amplo é respondido por uma fatia das famílias, a chamada amostra.
Há outra forma mais barata e eficaz de realizar a pesquisa?
Nosso Censo é referência internacional. A ONU fez um acordo com o Brasil para capacitar países africanos a realizar o Censo. Em 2010, fomos o primeiro país continental, com grande população, a fazê-lo sem papel, com tecnologia de ponta, colocando questionários em smartphones adaptados. Esse é o planejamento que temos para 2020. Países desenvolvidos, como EUA, Austrália, Reino Unido e Canadá, enviam o questionário para a casa das pessoas, por correio ou internet, e elas respondem voluntariamente. Essa modalidade é inviável no Brasil porque ainda temos um legado de adultos e idosos analfabetos ou analfabetos funcionais. Países que têm registros administrativos (sobre mortes, nascimentos, moradia, união civil) de grande qualidade, como Suécia, Finlândia, Dinamarca, Holanda e Cingapura, compilam as informações desses bancos de dados. Mas o Brasil ainda tem problemas com subregistro populacional.
E quanto aos custos?
Nosso Censo é baratíssimo quando comparado com outros. Brasil e EUA realizaram sua última pesquisa em 2010. Enquanto o deles exigiu investimento em torno de US$ 42 por pessoa recenseada (algo em torno de R$ 73 naquele ano) o nosso saiu por menos, R$ 15 por pessoa, mesmo tendo um questionário a mais que o dos EUA, que só aplicaram um.
Poderíamos ter um Censo mais enxuto, como nos EUA?
O Censo brasileiro já é muito enxuto. A percepção de que ele precisa ser menor é equivocada. O questionário básico que usamos tem uma quantidade de perguntas modesta, e o mais amplo é do tamanho que é porque essa é a demanda da sociedade e do governo por informações no nível municipal. Enxugar mais envolverá sacrifício de informações essenciais. O Censo brasileiro não precisa de enxugamento. Precisa ser financiado.
Como os EUA conseguiram reduzir o seu?
Desde 1960 nosso Censo usa dois questionários. Copiamos do modelo americano. Em 2010, os EUA passaram a fazer um questionário simplificado, mas, no intervalo entre um Censo e outro, eles complementam com outra pesquisa, a American Community Survey. Durante cinco anos, três milhões de domicílios são visitados anualmente. Com ela, os EUA conseguem dar uma estimativa para aquelas áreas pequenas, que só a amostra que fazemos no Censo consegue dar. Então, na prática, eles não reduziram o Censo, mas o diluíram pela década.
Qual é a vantagem desse método?
Primeiro, eles têm dados atualizados o tempo todo, não somente a cada dez anos. Em segundo lugar, eles distribuem o custo dessa operação pela década. A desvantagem é que esse custo é maior porque é preciso manter essa pesquisa funcionando por dez anos.
O Brasil tem pesquisa complementar semelhante?
Não. Nossas pesquisas não dão resultados para os municípios. Já estudamos se seria possível reproduzir esse modelo no Brasil e chegamos à conclusão de que não há como implementá-lo porque os custos seriam muito maiores.
É possível reduzir as perguntas do Censo 2020 como o ministro Paulo Guedes sugeriu?
Censo não se muda na véspera. Nenhum país faz isso. O planejamento leva de três a cinco anos. Dessa vez (em 2020), terão de ser contratados 240 mil recenseadores. Quando chega na data, o questionário já foi todo testado, ajustado e refinado, de modo que as imperfeições sejam minimizadas e não ocorra erro importante. Não dá para um gestor chegar e dizer: “agora vou fazer diferente”. Se fizer isso, vai dar errado. Ademais, não é o tipo de decisão que o IBGE pode tomar sozinho.
Qual é o procedimento para alterar o questionário?
Há uma comissão consultiva para o Censo formada por pesquisadores e técnicos que atuam como usuários. Esse grupo é encarregado de validar propostas de questionários. Há uma administração nova no IBGE (a presidente Susana Guerra foi empossada em 22 de fevereiro), que está tomando pé da situação. Acredito que, quando tiver conhecimento pleno dos fatos, ela terá o bom senso de alocar os recursos necessários para se fazer o Censo planejado.
O IBGE está com dificuldades para financiar o próximo Censo. Já ficamos sem a pesquisa alguma vez?
Não. Mas já atrasou. Tivemos um episódio, de triste memória, no governo Fernando Collor (1990-1992). Estávamos com o Censo todo preparado para acontecer em 1990. Collor tomou posse e não autorizou a contratação dos recenseadores. Então, a pesquisa foi feita em 1991. Isso teve consequências. Custou caro do ponto de vista das atividades de planejamento. E todos os nossos compromissos de prestação de informação sofreram atrasos. Nessa década, tínhamos a intenção de fazer um censo enxuto, em 2015, de contagem populacional. Não foi possível. Então, hoje, estamos trabalhando com dados populacionais mais desatualizados do que gostaríamos.
Jornal O Globo – 3 de março de 2019
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