via: Associação da Auditoria do Tribunal de Contas da União – AudTCU
Nota Pública sobre a Participação do TCU na Criação da Fundação IBGE+
A Associação da Auditoria do Tribunal de Contas da União – AudTCU, entidade homogênea que representa Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, publicou uma Nota Pública sobre a “Participação do TCU na Criação da Fundação IBGE+” e manifestou sua preocupação com as declarações do Procurador Federal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE durante audiência pública realizada na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados para debater os “Impactos da criação da Fundação.
1. Ao longo de sua intervenção, o Procurador Federal declarou que, sobre o tema contratação de pessoal pela Fundação IBGE+, houve “conversas prévias” com o Tribunal de Contas da União, com o Ministério do Planejamento e com a Advocacia-Geral da União.
2. A declaração foi infeliz e requer esclarecimento público, até mesmo para evitar a compreensão equivocada de que o TCU estaria envolvido numa espécie de “conspiração” contra as regras constitucionais e legais instituidoras do Teto de Gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, pelas quais o TCU, em razão da natureza de sua missão institucional, deve atuar como guardião.
3. A Fundação IBGE+ adota feição de Fundação de Apoio, entidade de natureza privada, cuja criação não está condicionada à autorização por lei específica, tampouco integra a administração pública indireta federal e o orçamento da União. Os recursos diretamente captados por esse tipo de entidade de natureza privada não são recolhidos à Conta Única do Tesouro Nacional e sua operação não se sujeita a limites e condicionantes de ordem fiscal, com destaque para as regras de Teto de Gastos e os limites de contratação de pessoal estabelecidos pela LRF. A criação desse tipo de fundação apartada da administração indireta federal é amparada, única e tão somente, em Ofício do Ministério da Ciência e Tecnologia – MCTI expedido em 11/03/2024, por meio do qual o Ministério reconheceu a Fundação IBGE (com personalidade jurídica de direito público) como Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação – ICT de que trata a Lei nº 10.973, de 2024, podendo operar até mesmo sob a forma de startups e spin-offs, conforme previsto nos arts. 7º e 8º da Resolução CD/IBGE nº 27, de 23 de outubro de 2024.
4. Sobre a declaração de ter havido possíveis “conversas prévias” à criação da Fundação IBGE+, é forçoso registrar que o TCU é instituição aberta ao diálogo com gestores de quaisquer órgãos e entidades federais, já que o diálogo é inerente à democracia, imprescindível à atuação de instituições constitucionais de elevada envergadura. Prova disso é que, em 2003, o Tribunal instituiu o Programa Diálogos Públicos, uma iniciativa em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no âmbito do “Projeto de Modernização da Capacidade Institucional do TCU”. O objetivo dos Diálogos Públicos é exatamente o de promover a cidadania, trocar informações com a sociedade, o Congresso Nacional e os gestores públicos, além de aperfeiçoar o controle externo.
5. Sob a ótica das relações institucionais, o IBGE é entidade pública responsável pelo desempenho de relevante competência material exclusiva da União estabelecida pelo art. 21, inciso XV da Constituição Federal, para “organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional“. No exercício dessa função estratégica, o IBGE produz dados oficiais utilizados, por previsão legal, para definição dos coeficientes de distribuição dos recursos dos Fundos de Participação (FPE e FPM), para orientar a política econômica nacional e para formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas nacionais e regionais, cujos resultados devem retroalimentar o orçamento público por previsão expressa na Constituição Federal (art. 165, § 16). Assim sendo, sob essa perspectiva, o TCU jamais poderia se furtar do diálogo com essa importante entidade da administração indireta federal.
6. Entretanto, pelo relevante papel constitucional que exerce, especialmente pelo caráter vinculante de suas decisões, a Lei Orgânica do TCU – Lei nº 8.443, de 1992 – estabelece o rito procedimental para o Tribunal dirimir dúvidas de órgãos e entidades federais. Segundo a LOTCU, o Tribunal é competente para decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes a matéria de sua competência (art. 1º, XVII). A observância dos procedimentos legais estabelecidos é de fundamental importância, na medida em que a resposta à consulta “tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto” (§ 2º).
7. De acordo com o art. 264 do Regimento Interno do TCU, tanto o Advogado-Geral da União, quanto os Ministros de Estado ou autoridades do Poder Executivo federal de nível hierárquico equivalente são legitimados para formular consulta ao TCU. O site do Tribunal, porém, não divulgou nenhuma declaração de autoridade, tampouco se tem conhecimento de qualquer manifestação ou análise formal do Corpo de Auditores do TCU que pudesse ser entendida como aval para iniciativa. O tema, de inequívoca complexidade, envolve múltiplas implicações – jurídica, orçamentária, financeiro-fiscal e de governança pública – que decorrem da criação, à revelia de autorização legislativa por meio de lei específica, de entidade para qual foi adotada feições de Fundação de Apoio e, por assim ser, não tem como integrar a administração pública indireta federal, a despeito do registro equivocado em uma das passagens do Estatuto da entidade.
8. Nesse sentido, são muito preocupantes as declarações públicas de que representantes do IBGE teriam realizado “conversas prévias” com o TCU para criar, sem autorização específica do Congresso Nacional, a Fundação IBGE+. Essa preocupação se potencializa com a recente notícia de que até a Advocacia-Geral da União foi reconhecida como Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação – ICT, o que abre caminho para que outros órgãos e entidades da administração indireta federal sigam a mesma trilha, inclusive como meio alternativo para os limites, as condicionantes e as vedações estabelecidos pela Lei do Teto de Gastos e pela LRF, conforme declarado pelo Procurador Federal do IBGE em audiência pública.
9. As declarações do Procurador Federal do IBGE, em momento de desconfiança de formadores de opinião sobre a higidez das regras de Teto de Gastos, afetam diretamente a imagem e a credibilidade do TCU no exercício do seu papel constitucional de guardião da gestão fiscal responsável e de zelar pela manutenção da dívida pública federal em níveis sustentáveis.
10. Não se trata de questão sujeita à escolha do TCU e de seu Corpo de Auditores, mas do dever de observar o cumprimento do art. 163 ao art. 169 da Constituição Federal no legítimo exercício da fiscalização financeira e orçamentária da União, o que inclui as entidades da administração indireta. Desse conjunto de normas que orienta as ações de controle externo a cargo do TCU, merece destaque o art. 164-A, segundo o qual a União deve conduzir sua política fiscal “de forma a manter a dívida pública em níveis sustentáveis”, nos termos da Lei Complementar nº 200, de 2023, que instituiu o Teto de Gastos. No exercício dessa missão, em setembro deste ano, o TCU expediu alerta ao Poder Executivo em acompanhamento recorrente que realiza sobre a condução da política fiscal, no qual aponta o risco de não atingimento da meta fiscal de 2024.
11. A recente publicação da Lista de Alto Risco (LAR) da Administração Pública Federal também aponta preocupações que contradizem as declarações do Procurador Federal do IBGE, no sentido de que a criação da Fundação IBGE+, à margem dos limites e demais regras orçamentários, se apresenta como alternativa ao Teto de Gastos e à LRF, passando a ideia de que essa prática teria o aval do TCU. No eixo temático de gestão fiscal, o TCU identificou preocupações que afetam a sustentabilidade e transparência das finanças públicas no Brasil. O documento oficial amplamente divulgado aponta que a dívida pública apresenta risco moderado de não ser sustentável, devido ao elevado volume de despesas obrigatórias e passivos contingentes, como precatórios, além do crescimento econômico baixo.
12. Seja pelo impacto na credibilidade da política econômica nacional e demais políticas públicas nacionais e regionais, seja pelo risco de captura da produção de informações estatísticas e geocientíficas por interesses privados, a associação do nome do TCU a uma espécie de “avalista” do modelo adotado para criar a Fundação IBGE+, com o fim declarado publicamente de contornar as regras do Teto de Gastos e da LRF, compromete a imagem da mais Alta Corte de Contas do País, situação que merece retratação pública, especialmente junto à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, local público onde a informação distorcida foi amplamente divulgada.
Em face de todo exposto, a AudTCU lamenta as declarações do representante do IBGE durante a audiência pública, no sentido de passar a ideia de que o TCU poderia ter avalizado previamente a criação da entidade privada IBGE+ com os fins confessados, e espera que o Ministério do Planejamento e Orçamento e a Fundação Pública IBGE adotem medidas com vistas a desfazer, publicamente, o equívoco presente na referida declaração, cujo teor, no contexto apresentado, pode levar agentes econômicos e sociedade em geral ao entendimento errôneo de que o TCU fomentaria práticas de escapismo das regras de Teto de Gastos e da LRF.
FONTE: Associação da Auditoria do Tribunal de Contas da União – AudTCU -> https://www.audtcu.org.br/comunicacao/noticias/1384-nota-publica-sobre-a-participacao-do-tcu-na-criacao-da-fundacao-ibge
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