O Congresso Nacional concluiu, nesta quinta-feira (21), a aprovação do Orçamento para 2021 e o que recebemos foi uma granada resultante da combinação entre um forte ajuste fiscal nas despesas obrigatórias e uma larga “generosidade” com os militares e as emendas parlamentares. A série de manobras contábeis para burlar a lei do teto dos gastos que foram acionadas fariam corar até os mais desavergonhados que usaram as “pedaladas fiscais” como pretexto para o impeachment em 2016. Foram vários os alvos dos cortes, especialmente a Saúde, Educação, Previdência Social, Abono Salarial e Seguro Desemprego. Entre os setores que dependiam de destaques dos parlamentares para preservar parte de seus orçamentos estavam o IBGE e o Censo Demográfico 2021, que não foram poupados diante da sanha fiscalista da equipe econômica e do apetite insaciável dos militares e do “centrão”.
O orçamento do projeto original do Censo era de R$ 3,4 bi. O governo cortou para R$ 2,3 bi; depois para R$ 2 bi. Enquanto os cortes ocorriam, a direção do IBGE apenas se adaptava. O relator do orçamento acabou reduzindo para R$ 100 mi e, ao final, raspou ainda mais o tacho, deixando apenas R$ 71 mi. Uma redução de 96% no orçamento para a operação que, segundo a direção do IBGE, foi adiada para 2021 com o “acordo” de que as verbas que sairiam do Censo no ano passado para contribuir com o combate à pandemia seriam restabelecidas neste ano. E isso ocorreu poucos dias depois de a presidente do IBGE participar, pela primeira vez, de uma audiência pública defendendo a realização do Censo em 2021, apresentando soluções pouco concretas para resolver os graves problemas intensificados pelo agravamento da pandemia.
Será que Susana Guerra não sabia com antecedência que um corte desta magnitude viria do governo? Sendo indicada por e próxima de Paulo Guedes, parece difícil acreditar que ela tenha sido surpreendida pelo anúncio do relator. Seja como for, tanto a hipótese de que ela sabia, como a hipótese de que ela foi surpreendida indicam que há problemas no relacionamento da direção do IBGE com o governo federal. E isso ficou claro na fala do sub-relator do orçamento, que disse que não foi procurado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para tentar reverter a situação do orçamento do Censo. “Fui procurado por outros ministros por outras questões, mas não fui procurado pelo ministro sobre o Censo. O IBGE talvez não tenha tanta importância assim ou seja algo acessório”. Circula a informação de que haveria um acordo para a recomposição orçamentária do Censo via PLN para 2021. Pelo que sabemos, esse acordo é informal e não há razões objetivas para crer que o governo irá cumprir diante das restrições na arrecadação e de não ter cumprido o acordo do ano passado.
Apesar das declarações públicas garantindo a viabilidade do Censo em 2021, a direção do IBGE parece não ter feito qualquer esforço real em reverter o corte, desprezando, inclusive, todo trabalho parlamentar realizado pela ASSIBGE-SN que promoveu audiências públicas e abriu canais de diálogo com parlamentares para reconstituir o orçamento antes da pandemia. Se a Direção do IBGE fez algum esforço de última hora, foi ignorada pelo governo e pelos deputados governistas. Durante a votação do orçamento, nenhuma autoridade do governo se posicionou pela recomposição das verbas do Censo e, no congresso, foram os deputados da oposição que se manifestaram contra o corte orçamentário.
A votação de ontem foi acompanhada com muita atenção pelos trabalhadores do IBGE, pois internamente o ambiente para a realização do Censo em 2021 vem sendo problematizado pela ampla maioria dos técnicos envolvidos na operação: analistas, coordenadores e contratados censitários iniciaram um movimento de questionamento da viabilidade técnica e sanitária de realização da operação em meio ao agravamento da pandemia, ao ritmo lento da vacinação e outras inseguranças. A reivindicação pelo adiamento do Censo vindo dos técnicos da Instituição não foi levada a sério pela cúpula da direção. Foram inúmeras cartas, abaixo-assinados, manifestos e reuniões nos mais diversos setores do IBGE e a direção simplesmente ignorou a voz dos técnicos, optando por responder de modo lateral pela imprensa ou em notas tecnicamente infundadas na intranet. A decisão da direção era de que o Censo tinha que ser feito a qualquer custo neste ano. Ela se recusou a reconhecer a impossibilidade técnica e sanitária de realizar a operação censitária em 2021, mas a realidade trouxe, agora, também uma impossibilidade política.
Outra preocupação imediata importante diz respeito aos contratados censitários. Estando inviabilizada este ano a realização do Censo, o que ocorrerá com os contratos? O que a direção planeja fazer com quem já está trabalhando na casa? A ASSIBGE/SN defende desde já a manutenção desses contratos por todo o período que for legalmente possível.
A ASSIBGE/SN tem plena consciência de que o corte no orçamento do Censo pela base do governo não foi motivado pelo movimento interno dos técnicos do IBGE ou por uma eventual preocupação dos parlamentares de que mais de 200 mil pessoas poderiam servir como vetores do vírus, contribuindo para ampliar a contaminação. O negacionismo e a natureza anticientífica que marcam o governo Bolsonaro indicam que nem mesmo um Censo relativamente desidratado é de seu interesse, pois, como diria Paulo Guedes, “se perguntar demais você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”.
E isso nos coloca um problema fundamental: contraditoriamente, o corte no orçamento do Censo pode servir como uma “janela de oportunidades” para rediscutir o Censo e organizar a luta para a recomposição orçamentária do projeto original de seu questionário e ir a campo quando as condições sanitárias melhorarem.
Diante da repercussão social que tomou o debate sobre o Censo, seria um erro deixar de aproveitar a oportunidade para promover processos de reaproximação. Internamente, da cúpula da direção com os técnicos. Externamente, do IBGE com a sociedade que anseia por um retrato completo de suas condições de vida. Isso é importante, pois, diante do cenário no Congresso e da política de ajuste fiscal, não há nenhuma garantia de que haja boa vontade do governo para garantir orçamento suficiente para o Censo em 2022, em 2023, ou até mesmo em 2024. Não seria absurdo pensar que haja motivações para desidratar ainda mais a proposta do Censo e fazer com que ele “encaixe” em um orçamento absurdamente reduzido, aproximando-o mais de uma simplória contagem da população. É preciso, portanto, que a mobilização interna e externa em defesa do Censo sejam canalizadas para rediscutir o projeto, colocando de novo na mesa aspectos que foram descartados por uma postura impositiva. Para isso, é imprescindível que a direção do IBGE finalmente aceite fazer duas coisas que até o momento vem se recusando: estabelecer um diálogo com os funcionários do Instituto e reconhecer os problemas estruturais na preparação da operação censitária.
Algumas ideias começam a ser ventiladas, como a constitucionalização do Censo e a regulamentação de um fundo de financiamento do IBGE, a exemplo do que ocorre com o Fundeb. Nós precisamos entrar nesse debate e disputar um projeto democrático para o Censo.
Por um Censo sem cortes!
Por um Censo sem mortes!
ASSIBGE/SN – Executiva Nacional
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.