A credibilidade é o bem fundamental para um órgão oficial de estatística e geociências. O reconhecimento nacional e internacional depende de anos de muito trabalho, pautado em princípios basilares, como a autonomia técnica e a independência política. Para alcançar boa reputação é preciso esforços contínuos e duradouros, mas, para destruí-la, um período breve é suficiente.
Não por acaso, em seu Manual de organizações estatísticas, a ONU preconiza:
“…as autoridades que designam o chefe de estatística aplicando um critério adequado, exigem que se trate de uma pessoa sumamente independente. Se há a impressão de que o chefe de estatística é influenciado demasiadamente por uma parte interessada do governo, se colocará em risco a credibilidade dos indicadores econômicos fundamentais e, em última instância, todo o programa de estatística”.
O ocupante do cargo máximo de um instituto oficial de estatística e geociências que defende abertamente a política de um determinado governo fere a autonomia técnica e a independência necessárias ao funcionamento deste órgão, colocando em risco diretamente a sua credibilidade. Vincular a imagem do instituto à de um governo, numa conjuntura em que a rejeição da população (informante e usuária do IBGE) ao governo e à sua política é altíssima, fatalmente atinge o instituto e sua missão.
A gestão Paulo Rabello de Castro representa grave risco ao IBGE, não apenas porque defende publicamente o governo Temer e seu programa de desmonte do Estado brasileiro, mas também por transformar a abertura de um evento, como o III Encontro dos Chefes de Agências do IBGE, em um verdadeiro palanque político para Michel Temer, um presidente com 4% de aprovação popular.
Além disso, há que se levar em consideração a confirmação da sondagem de partidos com interesse em lançá-lo candidato à Presidência da República em 2018. A credibilidade do IBGE, conquistada e mantida a duras penas, não pode servir de trampolim político para ninguém. Qualquer um pode ser filiado ao partido político que bem entender, mas o uso político de um órgão como o IBGE para defesa de governos passageiros ou para alavancar candidaturas é um desvio de função dos mais graves.
Desvio esse que não está sendo objeto da atenção das instâncias de controle do próprio IBGE, o que não deixa de ser curioso. Citemos um exemplo. Em 2016, no contexto da tramitação do pedido de impeachment de Dilma Roussef, alguns servidores do IBGE do Rio de Janeiro decidiram voluntariamente circular um abaixo-assinado on line posicionando-se contrariamente ao que avaliavam ser uma “ruptura democrática”. Instado pela então Direção do órgão, a Procuradoria do IBGE entrou em contato pessoal e por meio de mensagens eletrônicas com uma das organizadoras do documento, solicitando que ela o retirasse do ar, caso contrário, seria aberto um processo administrativo contra todos os signatários. A justificativa da Procuradoria? Os servidores do IBGE não poderiam, nem mesmo indiretamente, vincular a imagem da instituição a qualquer posicionamento político. Vejam a hipocrisia: os mesmos que silenciaram o conjunto dos servidores são os que agora se calam diante de quem usa escancaradamente o IBGE para adular políticos e para tentar acumular capital político para si próprio.
A ASSIBGE – SN levanta estes questionamentos por estar consciente dos riscos deste momento de exceção para o futuro do IBGE. Não é “bobagem”, nem “conversinha”, nem “infantilidade”. Bobagem é dizer que a população brasileira é “saqueadora”. Conversinha é dizer que os dados do IBGE dão suporte às reformas de Temer. Infantilidade é querer vender a ideia de que um questionário com mais de mil quesitos cortados, com menos postos de coleta, com remuneração menor aos recenseadores, enfim, com restrições de todos os lados, não afeta o projeto como um todo. Como se as profundas alterações no Censo Agropecuário se reduzissem a questões meramente estéticas, como uma mudança de corte de cabelo: de “cabeleira” para “Chanel”.
Ao tornar pública a atual situação crítica do IBGE, o Sindicato não atua manchando a imagem da instituição. Pelo contrário, procura alertar a todos os ibegeanos e à população brasileira dos riscos que a atual gestão impõe ao órgão. A ASSIBGE-SN o faz consciente de que o maior patrimônio do IBGE é o corpo de servidores e o conhecimento técnico acumulado ao longo de 80 anos de serviços prestados à sociedade brasileira.
Se o atual presidente fosse cioso da imagem do IBGE teria saído a público defendendo-a dos ataques do senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), quando disse que o IBGE teria fraudado os dados de desemprego durante os últimos anos. Ou não posaria para fotos, nem articularia uma frente parlamentar (GEMA) com figuras como Carlos Melles (DEM/MG), que deve quase R$ 1 milhão à União.
A ASSIBGE – SN sempre lutou pela democratização do IBGE. Há anos estamos reivindicando a realização de um Congresso Institucional, com ampla participação do corpo técnico da instituição e da sociedade organizada, que tenha o caráter de um debate aberto, onde os ibegeanos possam definir de modo qualificado o futuro da instituição. A resposta das direções sempre foi negativa e uma das justificativas era a falta de recursos. A realização deste III Encontro de Chefias, em Brasília, demonstra que se trata de um argumento falso. O dinheiro gasto na viabilização de um encontro tão importante poderia muito bem ser investido num Congresso Institucional.
O novo Estatuto formulado pela Direção do IBGE centraliza a administração e concentra poder na pessoa do presidente e atinge frontalmente a autonomia técnica do órgão ao criar um Conselho Superior de Gestão, com caráter deliberativo, deixando as atuais instâncias do órgão com funções consultivas ou meramente executoras. Tudo isso decidido de modo obscuro, sem consulta, sem debate com o corpo técnico e, portanto, sem democracia.
O Sindicato, pelo contrário, defende a necessidade de debater amplamente qualquer proposta de mudança na estrutura do IBGE. E coloca todas as suas instâncias administrativas e deliberativas para funcionar neste sentido. Desde os núcleos sindicais até a Executiva Nacional, desde as assembleias até o Congresso sindical, todos estes espaços estão abertos para o debate sério a respeito do futuro do IBGE. O Congresso Democrático, realizado em 2009, foi um marco neste sentido e o atual momento é oportuno para a realização de sua segunda edição.
Dentre os princípios fundamentais das estatísticas oficiais está o da imparcialidade, que significa estar livre de julgamentos subjetivos ou preferências políticas no tratamento dado às informações divulgadas. Para tanto, as condições de autonomia técnica e independência política são indispensáveis e somente como órgão de Estado (não de governo, nem controlado por setores privados selecionados) o IBGE poderá seguir cumprindo sua função com a qualidade e a credibilidade que são atualmente reconhecidas.
Hoje, ao contrário de tempos anteriores quando era citado apenas por suas pesquisas, o IBGE surge nas páginas do noticiário a partir de uma série de questionamentos e dúvidas sobre os rumos adotados pela administração Rabello de Castro. Os presidentes passam, mas os prejuízos que suas gestões podem causar ficam.
Por conta disso, a ASSIBGE – SN convida a todos para uma reflexão séria e urgente sobre a situação atual do IBGE, para que debatamos coletivamente o futuro do IBGE, mas de um “IBGE que queremos”.
Executiva Nacional da ASSIBGE-SN
Maio/2017
* Documento distribuído no III Encontro de Chefias da Agências do IBGE (Brasília, 8 a 12/5/2017)
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