Publicada nesta terça (18) no Estadão, a matéria “Brasil é o sétimo país do mundo que mais gasta com salários de servidores públicos” traz dados que não se sustentam sobre o funcionalismo público. Elaborada a partir de levantamento, ainda inédito, feito pela Secretaria do Tesouro Nacional com base em amostra de 74 países, ela apresenta problemas graves de metodologia.
O primeiro ponto está na inclusão, no painel da Secretaria, de despesas com inativos e pensionistas e da contribuição patronal em “remuneração de empregados”. Em nota o Fonacate apontou o erro que é constar, nas contas do Brasil, despesas intra-orçamentárias (aquelas que são pagas para o próprio ente que faz a despesa, logo virando também receita), caso da contribuição patronal, e o déficit da previdência dos servidores, enquanto em vários outros países isso não conta. Como comparar, então?
Além disso, é errado afirmar que “um histórico de aumentos acima da inflação nos salários também contribui para o quadro”. Na verdade, 80% dos servidores da União apenas tiveram a inflação reposta desde 2017, com a remuneração nominalmente congelada. Os demais sequer tiveram reposição inflacionária desde 2019.
Também em nota, a Afipea salientou que comparações internacionais ignoram as necessidades específicas do serviço público de cada país. O texto ressalta as desigualdades do serviço público, nos níveis federal,estadual e municipal e nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “A maioria dos problemas remuneratórios discrepantes poderia ser resolvido simplesmente aplicando-se, sem exceções, o teto remuneratório do setor público a cada nível da federação e poder da república”, diz.
O consultor legislativo do Senado Vinícius Amaral também chamou atenção para os dados, que destoam de outras referências, como o Atlas do Estado Brasileiro (Ipea). Ele destaca um trecho inicial do estudo que supostamente embasa os dados: “(…) cada país tem liberdade para definir sua metodologia para apuração de cada conta”. Sendo assim, não se pode fazer uma comparação entre os países, já que não se sabe como os outros países registraram suas despesas, seja as com pessoal ativo ou as previdenciárias, afirma Amaral.
Ele faz um exercício, supondo que os demais países estejam incluindo a contribuição patronal no cálculo, mas não o déficit previdenciário. “Isso faria o Brasil cair 24 posições no ‘ranking’ de despesas”, aponta.
Mesmo com o recente desempenho ruim da economia, os gastos da União com o pessoal, em percentual do PIB, são menores que os de 20 anos atrás. Não há, tampouco, um descontrole na remuneração do grosso do funcionalismo brasileiro, aponta o Fonacate. A média salarial nos municípios, que concentra 60% dos servidores, está em torno de R$ 3.000,00. No Poder Executivo dos três níveis federativos, que responde por 93% do pessoal, a média fica em R$ 4.200,00.
“O caso brasileiro está longe de ser uma anomalia em termos comparativos internacionais, sob qualquer prisma que se queira avaliar. Vale dizer: o Estado brasileiro, linhas gerais, não é grande, não é caro e não é ineficiente. Mesmo assim, aperfeiçoamentos incrementais no sentido da profissionalização crescente da burocracia e das formas de organização e funcionamento da administração pública são sempre necessários e bem-vindos”, diz a Afipea.
Tudo isso acontece às vésperas da votação na CCJ da Câmara da PEC 32/2020, da Reforma Administrativa. Sem um debate qualificado sobre a estrutura do serviço público, fundamentado em evidências e despido de preconceitos sobre o funcionalismo, não é possível desenhar uma reforma que melhore o atendimento à população brasileira.
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