A professora Sara Granemann é docente da Escola de Serviço Social da UFRJ e estudiosa do tema “Previdência Social”. Granemann fez palestra sobre a Previdência e os servidores públicos na reunião da Direção Nacional da ASSIBGE-SN, na tarde do dia 27 de abril. Confira, abaixo, os principais trechos de sua exposição.
Três regimes de previdência
No Brasil de hoje existem três regimes de previdência: 1) o regime geral (INSS), que abrange os trabalhadores rurais, domésticos, autônomos e contratados pelo capital; 2) o regime próprio de Previdência Social – servidores públicos; 3) regimes para os servidores estaduais e municipais. São públicos (todos fazemos parte do mesmo fundo previdenciário), organizados por solidariedade (jovens que contribuem para que os mais velhos usufruam), e por repartição (contempla os mais ou menos remunerados). Todos que estão trabalhando contribuem para um fundo único, que remunera aqueles que atingiram o direito de aposentadoria e pensão. É um sistema que pode nos ensinar a solidariedade de classe.
Previdência complementar: uma obra da ditadura militar
Desde 1977 existe para os servidores públicos o regime de previdência complementar. Ela funciona de dois modos: aberta e fechada. Aberta é aquela em que qualquer um pode contratar uma poupança previdenciária. Fechada é de uma categoria profissional ou de um conjunto de empresas. Isso surge a partir da ditadura militar. Era preciso “azeitar” o mercado financeiro e, para isso, buscaram recursos nas contribuições da previdência complementar (via bancos), reduzindo a previdência pública. O Estado e os patrões colocavam cinco partes e o trabalhador entrava com uma. Foi assim que cresceram os fundos de pensão das estatais, como o Previ do BB, a Petrus, a Valia, o Centrus (BC), e também das grandes empresas privadas. Hoje são 400 fundos de pensão, que não passa de um nome de fantasia.
De 1977 a 2001, duas leis complementares foram aprovadas: 108 e 109. Duas formas de benefício existem a partir de 2001 para a previdência complementar dos servidores. Antes havia o benefício definido: havia a expectativa de receber uma aposentadoria complementar pré-fixada. Hoje essa expectativa existe só nos fundos de pensão antigos e para quem ingressou até 2001. A partir daí só existe a contribuição definida, em que você sabe o quanto paga, mas não sabe o quanto vai receber no final da vida laboral. A partir daí, no governo FHC, a contribuição passa a ser de uma parte para o Estado e uma para o servidor.
Previdência social é criação dos trabalhadores
A bandeira da Previdência Social é dos trabalhadores. A da Previdência Complementar é do capital, é por capitalização, é mercado, não tem solidariedade alguma. Estão submetidos ao Funpresp (aprovado em 2003) os servidores que ingressaram a partir de 4 de fevereiro de 2013. Os que ingressaram no serviço público a partir daí terão seu teto no valor máximo pago pelo INSS (hoje é de cerca de R$ 5 mil). Este fundo só foi criado em 2013, quando o Ministério da Previdência aprova o Plano de Benefícios (Lei 12.618/2012), estabelecendo a adesão à previdência complementar de caráter privado e facultativo.
Governo Lula e a lei de Falência
A lei de Falência (aprovada no governo Lula) estabelece o teto de quanto o trabalhador pode retirar em caso de falência do fundos (até R$ 39 mil ou 60 salários mínimos). O fundo de pensão é regido pelas leis do mercado, não pertence ao Estado. Isso significa que o fundo ajuda no processo de construção e consolidação do mercado. Ele basicamente aplica em títulos públicos e ações das empresas mais lucrativas. O fundo do BB, por exemplo, compra títulos públicos e passa a ser credor do Estado, torcendo para que os juros aumentem e remunerem os servidores do BB.
Por que cresceu o trabalho precarizado, o arrocho salarial dos servidores? Por que agora querem congelar até vantagens pessoais dos servidores, de acordo com o projeto 257/16 do ministro Barbosa? Quando o Estado se torna um remunerador de títulos da dívida, há menos recursos para as políticas sociais, vide os cortes e contingenciamentos de orçamentos dos serviços públicos nos últimos anos. Comprar títulos públicos faz com que reduzam os recursos do Estado para políticas sociais, e até os ajustes nas nossas carreiras e nossos ganhos.
Outra forma é comprar ações de empresas lucrativas. São justamente as que mais exploram os trabalhadores. A Previ BB, que é a maior acionista da Vale/Samarco, define qual vai ser a taxa de exploração dos trabalhadores daquela empresa. A lei foi modificada e agora diz que o fundo de pensão pode comprar ações da própria empresa. Ou seja, a Previ BB passa a comprar ações do próprio BB. A Funpresp também pode comprar títulos públicos. Ou seja, tira recursos dos próprios serviços públicos para remunerar seus associados.
Funpresp compulsório?
Até 4 de novembro de 2015, cerca de 45 mil servidores ingressaram no serviço público, mas só 20 mil ingressaram no Funpresp, eles decidem abrir uma nova investida. Todos os novos servidores passaram a ser associados automaticamente (a partir de 16 de janeiro 2016), o que é inconstitucional, e foram descontados por três meses. Nesse período, a pessoa deve dizer se quer ou não continuar no Funpresp. Parece até política de cartão de crédito. Eles acreditavam que em meia década teriam 500 mil associados, mas se verificou que a coisa não é assim.
O formulário de filiação ao Funpresp teve que reconhecer que se trata de mercado de capitais. Basta ler o texto que prevê “riscos de mercado”, assim como fica claro que a rentabilidade obtida no passado não representa garantia de remuneração no futuro. E outra: que a Funpresp é pessoa jurídica de direito privado e o Estado só tem obrigação de colocar os aportes (7,5%, 8% e 8,5% para o Estado) e o mesmo para o servidor.
Exemplo da Sias no IBGE
O exemplo do IBGE é a SIAS, que aplicou no Banco Santos, que faliu. A SIAS ainda faz uma disputa para que as pessoas se associem. A SIAS vendeu o patrimômio dela, para ficar com os 15% estipulados pela legislação. Se houver uma quebra, a SIAS fica descapitalizada para bancar as complementações de seus associados.
A crise de 2008 e os Fundos de Pensão
A crise internacional em 2008 começa com a aplicação dos fundos de pensão em fundos podres, que quebraram. Neste caminho o capital criou os badbanks, bancos podres que guardam esses investimentos para aplicar. Hoje temos na direção destes fundos de pensão ex-sindicalistas como gestores. Um dos que mais se destacou nesta política foi o falecido Luiz Gushiken. Hoje há mais disputa nas categorias para ver quem vai gerir os Fundos de Pensão.
Bancos querem colocar a mão na arrecadação previdenciária
Neste ano teremos uma arrecadação de R$ 800 bilhões para a seguridade social (saúde, previdência e assistência), R$ 400 bilhões dos servidores públicos. Com a arrecadação dos estados e municípios mais R$ 600 bilhões. A Previdência complementar aberta tem aportes de alguns outros bilhões. Estamos falando da maior quantidade de dinheiro que é direito do trabalhador. Seja lá quem estiver gerindo um fundo de previdência complementar terá sempre o mesmo modus operandi. Por isso, não podem ser mais de 15% dos recursos investidos em patrimônio para socorrer os associados, como prevê a legislação.
Exemplos de fundos de pensão quebrados
Os Fundos de Pensão estão com cerca de R$ 60 bilhões de dívidas. O Postalis tem R$ 5 bilhões e 900 milhões de patrimônio e tem uma dívida, porque investiu nas empresas do Eike Batista. Não têm como pagar a complementação dos associados. O Portus está em situação muito grave também. O fundo de pensão da FioCruz também está quebrado. Provavelmente se a crise se estender por mais um ano, os trabalhadores vão perder tudo que tinham poupado.
A saída é lutar
O que fazer? Lutar, não há outra possibilidade que não seja lutar. Nós não voltaremos a ter aposentadoria integral se não derrotarmos a previdência complementar. Mais do que salário, nós temos que eleger a previdência como questão central das nossas vidas. Se já é duro viver com esses salários nos dias de hoje, muito pior será sobreviver com as aposentadorias que teremos. Se nós nos dividirmos por contratos nos serviços públicos e entre nós com os trabalhadores da iniciativa privada, não haverá lugar para aposentadorias integrais no futuro e nem ao menos para as aposentadorias. O fundo público, essa massa de recursos que o Estado controle, é o único fundo suficiente para enfrentar as demandas do capital. Por isso, tem que ter Funpresp e outras fontes de recursos dos trabalhadores para transformar em mercadorias. Estão propondo aumentar de 11% para 14% a contribuição previdenciária nos estados. E ainda aumentar a idade mínima para a aposentadoria, para 70 anos os homens e as mulheres.
Proposta do governo Dilma é vergonhosa
Em 2004 o governo Lula fez mudança na lei para o empréstimo consignado. Vinculou o consignado ao Regime Geral da Previdência, o que levou R$250 bilhões de 2005 a 2013 para os bancos, os mesmos que estavam no mensalão. Os aposentados deixaram as ruas neste período.
Agora o ministro da Fazenda Nelson Barbosa, anuncia a reforma previdenciária do governo Dilma com sete pontos: 1) Elevar a idade para a aposentadoria; 2) Financiamento da Previdência Social (reduzir os impostos sobre o capital e da seguridade); 3) Eliminar as diferenças de regras entre mulheres e homens; 4) Pensões por morte devem ser revistas, semelhante ao que já existe no serviço público; 5) Os trabalhadores rurais terão regras mais duras na Previdência; 6) Todos os regimes próprios (estados) de previdência devem ser rebaixados para que os fundos de pensão possam prosperar; 7) Igualar Regime Geral e Regime Próprio (não para elevar os benefícios, mas para rebaixá-los).
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