Reproduzimos, a seguir, os principais trechos das intervenções de Guilherme Mello (Unicamp) e Esther Dweck (UFRJ) durante o Seminário sobre a Reforma da Previdência (PEC 287), promovido em 18 de março pela ASSIBGE-SN. Mello é professor do Instituto de Economia, doutor em Economia e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp. Esther Dweck é doutora em Economia, professora adjunta do Instituto de Economia da UFRJ e assessora econômica.
Guilherme Mello
Mitos que o governo usa para justificar a Reforma da Previdência
“A proposta de Reforma da Previdência do governo Temer se sustenta em dois grandes mitos: 1) que a Previdência estaria quebrada, com um “rombo” ou déficit; 2) que a Previdência no Brasil seria muito generosa. Isso se baseia na idéia de que a Previdência seria uma espécie de seguro pessoal, o que nada tem a ver com a origem da Previdência Social, que é um sistema contributivo de repartição entre trabalhador, empregador e governo, visando sustentar os que não estão mais em condições de trabalhar.”
A Seguridade Social deveria ter orçamento em separado, como prevê a Constituição
“A Constituição de 1988 regulamentou a Previdência Social no Brasil, cuja origem remonta às caixas de benefícios criadas pelos próprios trabalhadores, transformada em política de Estado na Era Vargas e posteriormente com os Institutos de Previdência por categorias. A ideia básica passou a ser financiar a Seguridade Social, formada para dar conta da Previdência, Assistência, Saúde e Desemprego, com um Orçamento em separado, previsto no Artigo 195. No entanto, os sucessivos governos não cumpriram a Constituição, e misturaram o Orçamento da Seguridade Social com o Orçamento da União.”
Cálculos parciais para justificar o “rombo”
“A Seguridade Social brasileira passou a ser tratada como um regime de capitalização, no qual só são consideradas as contribuições dos trabalhadores e os gastos com os benefícios, incluindo aí os trabalhadores que são regidos por regimes próprios (servidores federais, estaduais e municipais). Não é considerada a arrecadação com o Cofins, CSLL e Pis Pasep, que são parte dos recursos voltados para assegurara a Seguridade Social brasileira. Daí o discurso de que o Brasil gasta muito com a Previdência Social.”
Não há generosidade na Previdência Social brasileira
“Para desmistificar a generosidade da Previdência Social no Brasil é preciso lembrar que 80% dos aposentados recebem benefício de um salário mínimo. A expectativa de duração média da aposentadoria no Brasil é de 13 anos. Já existe idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e um tempo mínimo de 15 anos de contribuição para a concessão do benefício”.
Reforma da Previdência vai aumentar a exclusão social, a pobreza e a miséria
“A Reforma da Previdência é semelhante ao abismo da morte do seriado “A Família Dinossauro”, quando os mais velhos são levados pelos mais novos a saltar para a morte. Pelos números atuais, 80% dos que estão aposentados pelos critérios em vigor hoje não conseguiriam comprovar 25 anos de contribuição para a Previdência, caso sejam adotados os critérios previstos por esta Reforma. De acordo com o DIEESE, o cidadão brasileiro consegue contribuir 9,1 meses por ano para o INSS. Para chegar aos 300 meses ou 25 anos de contribuição, exigidos pela PEC 287, na verdade o cidadão teria que trabalhar 33 anos. Por sua vez, 1/4 dos segurados não alcançariam o tempo de contribuição, mesmo se chegassem aos 65 anos de idade, simplesmente porque vivem na informalidade e de bicos. Portanto, esta Reforma da Previdência pode representar uma exclusão inicial de 30% dos idosos no Brasil.”
Crescimento do mercado de planos privados
“Um dos problemas mais graves que esta Reforma da Previdência pode trazer é que os trabalhadores vão se desinteressar em contribuir para a Seguridade Social, abrindo caminho para o crescimento dos planos privados, que hoje representam cerca de 3% do total do mercado”.
Reforma da Previdência no contexto neoliberal
“A Reforma da Previdência não é um projeto isolado, é parte do desmantelamento do Estado brasileiro na Petrobras, no BNDES e com a PEC 55. Querem introduzir uma visão particularista e individualista na sociedade, que destrói todos os nexos de solidariedade social, construídos e conquistados no século XX.”
Esther Dweck
Governo apela a argumentos falaciosos
“O governo tem apelado a afirmações falaciosas e meias verdades para justificar a Reforma da Previdência (PEC 287). A primeira delas é que o aumento da expectativa de vida vai inviabilizar a Previdência, se algo não for feito agora. Os dados indicam que poderemos chegar a uma situação preocupante daqui a 40 anos, mas a solução apresentada seria penalizar, desde já, a geração que se prepara para se aposentar nos próximos dez anos. Na verdade o que o governo Temer quer é arrumar uma solução para um problema criado pelo limite de gastos públicos, que ele mesmo impôs ao país com a PEC 95.”
Receita econômica neoliberal ataca a Previdência Social
“Em vez de fazer reforma da Previdência o governo deveria criar condições para o crescimento econômico. O crescimento da economia e, consequentemente do PIB, influi decisivamente na despesa com a Seguridade Social. Ou seja, é justamente o contrário do que o governo vem afirmando. Com medidas que reduzem a participação do Estado na economia, que provocam a queda do PIB, que geram mais desemprego a arrecadação cai e os gastos com a Previdência crescem.”
Previdência Social ajuda no crescimento da economia
“A Seguridade Social brasileira é parte de um sistema de proteção e promoção social. Quando surgiu a Previdência Social tomava como base o trabalho, depois é que foi incluída a noção de contribuição. Havia uma série de pessoas que trabalhavam sem receber salário, como os trabalhadores rurais e as donas de casa. Por mais que a arrecadação com esses segmentos não seja grande, a produção que eles geram é fundamental para a sociedade e leva ao recolhimento de impostos, como a agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos no Brasil. O sistema de Seguridade Social gera uma série de benefícios, justamente para impedir que as pessoas fiquem totalmente desassistidas e evitar colapsos sociais. Entre eles o salário maternidade, o salário família, a pensão por morte, o auxílio doença, o auxílio acidente e outros. Ao contrário do discurso oficial, a Previdência Social ajuda no crescimento econômico e não o contrário.”
Maquiagem de dados para justificar o “rombo” da Previdência
“Uma análise da saúde financeira da Seguridade Social deixa evidente que o regime geral da Previdência depende do mercado de trabalho, da situação econômica do país. De 2011 para cá a conjuntura econômica recessiva levou ao desemprego, a redução do mercado formal e à queda da arrecadação fiscal. Até 2010 a arrecadação da Previdência com benefícios crescia em condição igual ou maior que as despesas. Assim mesmo, se tomarmos os números da Seguridade Social em 2016, o que o governo Temer chama de déficit da Previdência (R$ 258 bilhões) não leva em conta os recursos da DRU (que ele desconta da Seguridade), os recursos do Regime Próprio dos servidores (que ele inclui erroneamente como gastos) e com a renúncia fiscal (impostos que não arrecada das empresas). Se esses recursos forem considerados, a Previdência tem um saldo de R$ 59 bilhões em 2016, de acordo com a Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (Anfip).”
Reforma da Previdência promove exclusão social
“Quem elaborou a proposta da Reforma da Previdência ignora os dados da realidade demográfica brasileira. Se é verdade que a média de expectativa de vida no Brasil aumenta, também é verdade que nas regiões mais pobres, no Norte e Nordeste ela ainda é de 65 anos para homens e 70 para mulheres. O mesmo acontece se compararmos os dados das grandes cidades brasileiras, como é o caso de São Paulo, em que a população das áreas de periferia tem uma expectativa de vida inferior a do Centro e regiões mais abastadas. Isso deixa claro o caráter de exclusão social presente no projeto do governo.”
O que muda no caso dos servidores federais
“Se a PEC 287 for aprovada como está, as regras de transição para os servidores federais de mulheres (45 anos) e homens (50 anos) passarão a ser as mesmas do regime geral, sem considerar a data em que o servidor ingressou no serviço público. Ou seja, perde-se o direito à integralidade e à paridade. A idade de aposentadoria passa a ser de 65 anos para ambos os sexos e o tempo de contribuição de 49 anos para todos. O reajuste das aposentadorias teria como base a inflação e as pensões também devem seguir as regras do regime privado.”
A Reforma quebra a lógica social da Previdência
“As principais alterações da Previdência que constam da PEC 287 são: 1) Diminuição da dependência dos inativos da transferência de recursos do Estado para a sua sobrevivência, com o aumento da idade mínima; 2) Redução do valor dos benefícios, priorizando a busca de uma solução para a questão fiscal do Estado; 3) Condução de uma grande massa de trabalhadores para o regime de previdência complementar privado, de caráter aberto, administrados pelos bancos privados; 4) Alteração do financiamento da Seguridade Social, que passaria a ser exclusivamente a partir das contribuições do trabalhador.”
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