Os principais indicadores da economia brasileira referentes aos primeiros meses deste ano mostram que a produção e o emprego ainda estão longe de ter iniciado um processo de recuperação minimamente consistente, como já identificado em edições anteriores deste Boletim de Conjuntura. Os dados divulgados até o momento revelam crescimento muito baixo e instável, com desempenho muito pior do que o esperado pelos analistas em geral.
Considerando que, entre 2015 e 2016, a economia brasileira enfrentou a segunda maior recessão da história, com queda acumulada do PIB de 7%, o crescimento de 1,0% em 2017 pode ser considerado pífio e, da forma como foi obtido, desalentador. Em 2017, o crescimento decorreu principalmente do desempenho do agronegócio, aliado à expansão da produção de automóveis e à sustentação do consumo, com a liberação do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Em 2018, o ritmo ainda continua lento. Na comparação mês a mês, tanto a indústria quanto os serviços apresentaram quedas em janeiro e estabilidade em fevereiro. O comércio varejista, que havia crescido um pouco em janeiro, recuou em fevereiro. Só se observa recuperação mais robusta no comércio quando a comparação é feita em relação aos primeiros meses de 2017, ocasião em que a base de comparação era muito baixa, dado que o setor tinha recuado durante praticamente dois anos seguidos.
A indústria, por sua vez, continua paralisada. Em fevereiro, a produção física industrial variou apenas +0,2% em relação a janeiro, já descontados os efeitos sazonais, revelando que não há recuperação industrial efetiva na economia brasileira. Mesmo em relação com 2017, não houve crescimento importante: na comparação com fevereiro daquele ano, o crescimento da produção foi de apenas 2,8%, o que é pouco para ser considerada uma recuperação significativa. No mês de fevereiro, apenas a produção dos bens de consumo duráveis cresceu frente a janeiro (+1,7%).
Nesse contexto, o IBC-BR (Índice de Atividade Econômica), do Banco Central, que mede o ritmo de crescimento da economia, segue apontando estagnação. Havia recuado 0,65% em janeiro e, em fevereiro, apresentou variação de 0,09%. Na comparação entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2017, a alta foi de meros 0,66%. Em 12 meses, encerrados em fevereiro, o IBC-Br apresenta alta de apenas 1,32%, o que confirma o pouco dinamismo da economia.
No quadro geral de baixa atividade, o desemprego continua em patamar elevado, com cerca de 13,7 milhões de desocupados e número semelhante trabalhando aquém do necessário para sustentar os gastos familiares. Além do alto desemprego (em Salvador, por exemplo, a taxa de desocupação foi de 25,7% em março, segundo a PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, DIEESE/Seade), aumentaram muito a informalidade e a precarização do trabalho. Segundo a PNADC/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem 10,8 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, além de 23,1 milhões de outros que são conta própria e também dependem do nível de atividade da economia.
A “instabilização” da renda da ocupação, potencializada pela reforma trabalhista do fim do ano passado, são ingredientes que conduzem ao aumento da insegurança na sociedade e enfraquecem a retomada do crescimento via ampliação do mercado consumidor interno. Além do consumo, as outras fontes de dinâmica econômica estão muito fracas. Os gastos do Estado estão em forte queda e o setor externo, apesar do saldo expressivo, não é grande o suficiente para promover a recuperação mais intensa da economia. A “formação bruta de capital”, que corresponde ao investimento na economia, segue muito baixa, apesar da recuperação gradual desde meados de 2017.
O preço e a produção de petróleo podem dar um alento à economia. O aumento dos preços no mercado internacional (o barril chegou a US$ 75, contra uma média de menos de US$ 50 no ano passado) deve trazer impactos positivos para o desempenho do setor. Mesmo mantida a produção nacional, o valor do petróleo vai subir, o que deve se refletir não apenas no crescimento setorial, mas também nas receitas de estados e municípios que se beneficiam da produção no país.
Alguns analistas esperavam que a queda da taxa de juros básica da economia, a Selic, estimulasse a atividade, ao favorecer o consumo, por meio de empréstimos, e o investimento. Na verdade, a redução da Selic refletiu muito pouco sobre as taxas de juros dos bancos, para qualquer tipo de tomador,pessoa física ou jurídica. Ao contrário, as taxas permanecem em níveis muito elevados, favorecendo o lucro dos bancos, mas prejudicando a recuperação econômica.
NEGOCIAÇÕES E REFORMA TRABALHISTA
O cenário de estagnação da economia, com elevadas taxas de desemprego e de “informalidade”, e a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, em novembro de 2017, dificultam ainda mais as negociações coletivas de trabalho. Caiu significativamente o número de acordos e convenções coletivas registrados no Ministério do Trabalho nos primeiros meses deste ano, na comparação com o ano passado e em relação à média dos últimos cinco anos. Segundo levantamento do DIEESE, 2.802 acordos foram registrados no primeiro trimestre, 29% a menos que em igual período de 2017, quando o número foi de 3.939. Entre 2012 e 2017, a média dos instrumentos coletivos de trabalho foi de 3,8 mil.
Observa-se, nas rodadas de negociação deste ano, endurecimento da posição patronal. Diante do novo ambiente de relações do trabalho, que desequilibrou ainda mais a correlação de forças entre as partes, os empregadores procuram utilizar o processo negocial para retirar direitos dos trabalhadores. A posição dos sindicatos de trabalhadores tem sido de defesa, evitando ao máximo ceder direitos, sob pena de perder conquistas de décadas de negociação.
Um dos aspectos mais polêmicos das negociações tem sido o financiamento dos sindicatos. Este é um ponto fundamental de toda a arquitetura da Reforma Trabalhista, pensado e construído para destruir as entidades sindicais e desmobilizar os trabalhadores. Sem recursos financeiros, as entidades que representam os empregados perdem a capacidade para se manter e, consequentemente, de organização e mobilização, o que abre caminho para que empresas avancem sobre direitos e ampliem ainda mais o processo de precarização das relações de trabalho, reduzindo também os salários.
Quanto a diversos dispositivos da Reforma Trabalhista, prevalece muita incerteza sobre o que é e o que não é legal, além de qual será o entendimento da Justiça do Trabalho. Não há ainda jurisprudência sobre os principais itens da pauta no novo marco jurídico colocado. Um aspecto importante que contribui para a incerteza generalizada é que a Medida Provisória que iria alterar alguns pontos polêmicos da Reforma perdeu a validade em 23 de abril. Em especial, suscitam dúvidas a questão da validade da lei para contratos de trabalho anteriores à Reforma. Como a MP 808 previa essa validade, mas caducou, subentende- se que a lei tem dispositivos que não afetarão os contratos de trabalho mais antigos. Esse ponto, porém, levantará grandes e longas disputas jurídicas.
Diante do aumento das dificuldades nas negociações, uma das estratégias que os trabalhadores têm adotado é a celebração de acordos por empresas, após o fechamento da convenção coletiva. Alguns segmentos do movimento sindical têm preferido, inclusive, permanecer com a convenção em aberto a aceitar determinados itens da nova legislação ou propostas patronais na mesa de negociação. Ao mesmo tempo, os acordos e convenções têm registrado reposição da inflação e, eventualmente, pequenos ganhos reais nos salários, o que é facilitado pelo baixo patamar inflacionário.
INFLAÇÃO
O IPCA-IBGE variou apenas 0,09% em março, acumulando taxa de 2,68%, em 12 meses, bem abaixo da meta inflacionária atual, de 4,5% para 2018 e, até mesmo, inferior ao piso da meta, que é de 3%. Há 11 meses, desde maio de 2017, a taxa de inflação anual é inferior à meta. Segundo os dados do ICV- DIEESE, a inflação de março foi de 0,03%. Mas não há razão para comemorações em torno da baixa inflação verificada no Brasil. O fenômeno é consequência direta de uma das mais drásticas depressões da história do país, que fez com que, no biênio 2015-2016, o PIB acumulasse queda de quase 7%, levando a economia nacional a retroagir para o mesmo patamar de cinco anos antes e ocasionando queda da renda per capita de mais de 9% nesse biênio.
Uma consideração importante: a subida das taxas de juros nos EUA está forçando uma recomposição das aplicações em ativos financeiros, levando a uma desvalorização da maioria das moedas, especialmente as mais frágeis (como o real), em relação ao dólar estadunidense. Mas o dólar serve como indexador para vários preços da economia brasileira (como os de todos os importados, produtos finais e componentes) e os setores de serviços foram concedidos ou privatizados com indexação ao IGP, índice fortemente influenciado pelas variações da moeda estadunidense. Por isso, a desvalorização do dólar, somada ao aumento de custos dos derivados de petróleo, vinculados ao mercado internacional, cujos valores estão subindo, pode levar a uma alta de preços. Caso isso ocorra, esse “soluço” de inflação, de fato, nada teria a ver com aumento de consumo interno e “pressão de demanda”. Mas, pela receita tradicional de política econômica, poderia ser tratado com nova subida dos juros, travando novamente qualquer expectativa de retomada sustentada do crescimento.
INVESTIMENTOS BAIXOS E O PAÍS À VENDA
O nível atual de atividade da economia é sofrível e as perspectivas de retomada não são promissoras. Não há como sair de uma estagnação econômica crônica adotando um padrão típico de economia dependente, como vem fazendo o governo brasileiro. A longa permanência dos investimentos em baixo patamar sintetiza a dificuldade do Brasil para crescer de modo sustentado. As despesas públicas, que poderiam funcionar como motor de retomada, estão limitadas pela Emenda Constitucional 95, que congela, em termos reais, os gastos primários (saúde, educação, benefícios previdenciários, investimentos) da União durante 20 anos, deixando sem limite, ao mesmo tempo, os gastos financeiros com pagamento de juros (ainda altos) da dívida pública. Por outro lado, as chances de investimentos externos diretos estão limitadas pela própria situação da economia e do quadro político-institucional claudicante.
Os capitais que vêm para o Brasil adquirem ativos já existentes, sem que se aumente a capacidade produtiva. Geralmente estão interessados em empresas públicas, que são compradas por preços absurdos, muito abaixo do valor normal de mercado.
É o caso, por exemplo, do setor elétrico, em que o governo pretende privatizar a Eletrobras, importante empresa pública. Trata-se do maior sistema elétrico da América Latina e da 6ª maior estatal de energia do mundo, com 239 usinas de geração de energia. A Eletrobras dispõe de 31% da capacidade de geração do Brasil, com 47 GW, 94% dos quais oriundos de fontes de energia limpa. O sistema tem ainda 70 mil quilômetros de linhas de transmissão (ou seja, 47% de tudo o que o país possui) e seis distribuidoras (que atendem a 6,3 milhões de clientes, com 258 mil km de rede). É composto também por 14 empresas subsidiárias; uma empresa de participações (Eletropar); um Centro de Pesquisas (Cepel), único no Brasil e um dos principais do mundo; 50% de Capital Social da Itaipu Binacional; e detém ainda participações relevantes em projetos estruturantes de caráter estratégico e nacional, como Usina Hidrelétrica de Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires, entre outros. Além de ser um sistema estratégico para o país, sob todos os pontos de vistas, é um verdadeiro tesouro como fonte de receita. Esse sistema de produção e distribuição de energia é avaliado em R$ 370 bilhões, mas está sendo oferecido por menos de 10% do que vale.
O interesse das multinacionais nas riquezas brasileiras (petróleo, água, minerais em geral, terras férteis, estatais estratégicas), que sempre foi muito grande, intensificou-se no período recente. Mas, além da entrega de estatais e riquezas naturais, uma das bases da política econômica atual é o aumento da exploração da classe trabalhadora, via desregulamentação do mercado de trabalho, afrouxamento da legislação trabalhista, terceirização sem limites e ameaça de reforma da previdência.
A retomada sustentada do crescimento está, no curto prazo, comprometida. Bem mais distante ainda encontra-se qualquer possibilidade de volta ao crescimento, com melhorias de vida para a população e defesa e aumento da soberania nacional. Não há nenhum indicador econômico que aponte para algo positivo. As baixas taxas inflacionárias, longe de representar o sucesso da política econômica, significam o insucesso da retomada do crescimento. O Brasil está completamente desorientado e sem lideranças capazes de restituir a confiança necessária para que a nação reaja. Dentro desse cenário, a economia não cresce e a vida da população piora.
Boletim Conjuntura (Dieese), Maio de 2018.
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