A economista Ana Magni (IBGE) e o professor de economia da UFBA, Vitor Filgueiras, foram os convidados para abordar o tema “Retrocesso e barbárie: as contrarreformas e a precarização do trabalho, durante a reunião da Direção Nacional da ASSIBGE-SN. Os dois discorreram sobre as razões que levam o grande capital exigir as reformas trabalhista e previdenciária e suas consequências para os serviços públicos e os servidores.
Resumo da intervenção de Ana Magni (IBGE)
Pressão sobre os estados nacionais
No mundo contemporâneo o sistema capitalista tenta se livrar de todo o arcabouço jurídico que se afirmou sobre as relações de trabalho e a proteção social no pós-guerra. Predominam as finanças sobre a produção. Existe uma pressão para que toda a regulamentação de defesa de direitos dos trabalhadores e dos mais pobres seja colocada de lado. Isso inclui a segmentação da classe trabalhadora, o que nos divide e nos tira o censo de pertencimento a uma classe.
No Brasil houve resistência intensa aos ataques neoliberais nos anos 80. Ao final daquela década era preciso construir a proteção social e do trabalho para a população, num país que saiu de uma realidade rural para uma sociedade predominantemente urbana. Como se fez a Constituição de 88? Havia uma tensão forte ente duas posições: conservadora e progressista. No início dos anos 90 o setor conservador elegeu Collor.
Precarização dos serviços públicos
Desde os anos 90, com o governo Collor, existe um processo de destruição do sistema que se consolidou na Constituição de 88, seja através de emendas constitucionais, seja por Projetos de Lei. São três períodos a analisar: de 90 a 2002, de 2003 a 2015, e agora, com o governo golpista de Temer. Não houve real avanço no papel do Estado nos governos do PT, mas o período de antes e agora são períodos muito piores.
Nós nunca fizemos um processo de resistência à altura desses ataques. Nem à Lei de Responsabilidade Fiscal, nem no combate à terceirização, etc. Agora há quem diga que retornamos aos anos 90. Entre 90 e 94 (governo Itamar) há um desmonte do Estado, mesmo sem um projeto detalhado. A partir de 95 (governo FHC) há um projeto consolidado para atacar as conquistas sociais. Privatizações e medidas pontuais foram feitas. Duas regulamentações fundamentais: Reforma Administrativa (1998) e LRF (2000). Foram eliminados os concursos públicos. Registre-se também a implantação dos PDV e o elevado número de aposentadorias nos serviços públicos. Eram 712 mil servidores federais em 1989 e chegamos a apenas 485 mil em 2002.
1990 – 2002: ofensiva
A tônica dos anos 90 foi o arrocho salarial. Privatização de setores do setor público, com terceirização, etc. A resistência foi intensa (greves e manifestações) e barrou alguns retrocessos, mas as relações de trabalho e a estrutura do Estado foram alteradas. No governo FHC 14% dos ingressos foram por PSS. Em 2002 foram 13 mil temporários e 30 efetivos que ingressaram no serviço público federal.
2003-20015 – contradição em processo
Este período contraditório foi marcado pela retomada dos concursos, abertura da mesa de negociação e alguma recomposição salarial. No entanto, o Ministério do Planejamento seguia com a mesma visão, embora sem implantar um processo acelerado de mudanças. Seguiram usando o discurso do déficit da Previdência. Ou seja, direitos são o mesmo que privilégios. Houve várias iniciativas dos governos petistas de flexibilização do setor públicos: legislação de trabalho temporário, criação do Funpresp, contribuição dos aposentados, fim da aposentadoria integral, além da contratação via agencias e Organizações Sociais.
Cresceu o número de servidores a partir de 2003, mas houve precarização do setor público entre 2003 e 2015, com a expansão do ingresso de temporários, terceirizados e consultores no serviço público. No IBGE chegamos praticamente a 50% da mão de obra temporária.
No entanto, houve valorização do Salário Mínimo, aumento da fiscalização do trabalho, regulamentação do trabalho doméstico, transferências às famílias via seguridade social. Reduziu-se a desigualdade de renda entre os que estavam no mercado de trabalho. Foi uma etapa intermediária entre duas etapas desfavoráveis ao trabalho.
Terceira etapa é de ampliação da destruição dos direitos e começa ainda no fim do governo Dilma, em 2015, com seu ministro da Fazenda e as medidas recessivas. Este processo se intensifica de forma acelerada com Temer, para aprovar medidas pesadas antes das eleições de 2018. Sob a lógica do ajuste fiscal, é preciso abrir fontes mais lucrativas para o capital e assegurar recursos para o pagamento da dívida pública.
Contrarreformas na legislação do trabalho
Com a reforma trabalhista o Estado passa a ser o principal agente de flexibilização dos direitos dos trabalhadores. O negociado vale sobre o legislado e Direito do Trabalho é colocado em xeque com o desmonte da CLT. Isso tem reflexos negativos para toda a sociedade. Restringe o conceito de empregado (que pode ser contratado como autônomo) e cria o trabalho precário (intermitente, parcial, terceirização irrestrita, etc).
Estrangulamento do setor público
EC 95 que congela recursos para as despesas primárias por 20 anos. Ajuste fiscal dos estados, PDV, etc. Trata-se de medidas que estrangulam a possibilidade de um serviço público voltado para as necessidades básicas da população.
MP 805 (Outubro/2017)
Com a Medida Provisória 805 o governo Temer cancela aumentos remuneratórios do serviço público, aumenta a alíquota de contribuição de 11% para 14% para a Previdência e incentiva a adesão dos mais novos ao Funpresp. O PL 116/17 (que prevê a demissão de servidores concursados) está em tramitação no Congresso Nacional, com critérios extremamente subjetivos.
Contrarreforma da Previdência
Houve uma série de mudanças nos últimos governos. O governo Temer agora tenta vender uma reforma menos abrangente, insistindo na equiparação entre o setor público e privado, o que mantém as perdas dos servidores. Em média o trabalhador da iniciativa privada contribui cerca de nove meses por ano para o INSS, por conta da instabilidade do mercado de trabalho. É sempre bom lembrar que a Previdência Social tem papel importante para amortecer os efeitos da pobreza no Brasil.
Outros projetos que atacam o funcionalismo estão em curso.
A lógica do desmonte dos direitos dos servidores é atacar os serviços públicos como um todo, O que nos obriga a fazer o debate com toda a sociedade. O caso do Estado do RJ é exemplar para este debate.
Os próprios dados do governo mostram que já reduziu o número de ingressos no serviço público e se ampliou o número de temporários, de 2016 para cá.
Questões que exigem respostas e ações
É o momento para balanços? O que fazer? Quais alternativas se apresentam para os servidores e o conjunto da classe trabalhadora?
Vitor Filgueiras (professor da UFBA)
Rejeitar a lógica do adversário de classe
Muitas vezes a gente comete o erro de aceitar a premissa do argumento do adversário. Isso significa que você vai ficar dando voltas. Há um consenso de ofensiva do capital em escala global e no Brasil, o que significa que os limites do arbítrio do capital sobre a sociedade estão reduzidos. Não é na porrada que essas forças se impõem, eles conseguem convencer. Qualquer debate sobre regulação do trabalho passa pela determinação do nível de emprego, criando uma dicotomia entre direitos e empregos.
O que é modernização? É uma palavra vazia, mas se não modernizar não tem emprego, dizem. Da mesma forma repetem que se não flexibilizar não tem emprego. Para fazermos um debate sério, é preciso afirmar que o nível de emprego é determinado pelos investimentos. Portanto, não é no âmbito do mercado de trabalho que esse debate se dá.
Alegam que toda a economia do custo (excedente) com as medidas a serem adotas nas reformas será reinvestido pelo capital. Isso é mentira. Já temos uma elevada concentração de renda no Brasil, que não se manifesta em novos investimentos. Quando se corta salários a tendência é piorar, é diminuir o consumo.
O debate sobre a regulação do trabalho passa pela disputa pela distribuição da riqueza. Transforma-se o dominado em refém de sua própria dominação. “Não reclame, porque pode ser pior”, dizem. Sem enfrentar esse pressuposto seremos tragados pelo discurso da burguesia.
O discurso dos “privilégios”
Quando a gente discute regulação do trabalho estamos falando do funcionalismo também. E ainda com o argumento do combate aos privilégios. Muito se fala na competitividade, mas se não fizermos as reformas e a terceirização a consequência será o desemprego e a perda de mercado e de competitividade, é o que dizem os ideólogos do sistema.
Reduzir direitos é uma iniciativa espúria. Já somos muito depreciados enquanto colônia do capitalismo internacional. Mesmo trabalhando com a maior intensidade possível, não se pode competir com novas as tecnologias. Há décadas são aplicados equipamentos ultrapassados no chão da fábrica no Brasil e os trabalhadores recebem salários baixíssimos. Nosso capitalismo compete com a Índia e Bangladesh. O cenário atual é de recrudescimento desta lógica.
As elites operam com o pressuposto da defesa de um tipo de inserção depredatória do Brasil no mercado internacional.
Reforma trabalhista
Não é uma novidade, é um processo que já vinha acontecendo no governo anterior. Do ponto de vista da regulação do mercado de trabalho se mantém o que vinha sendo implantado. Dois vetores do crescimento da ocupação nos três primeiros trimestres deste ano da ocupação se destacam por duas formas: trabalho autônomo e o trabalho intermitente (bicos) de até 12 horas/dia.
A terceirização é um exemplo bom para entender isso, com base nas atividades fim das empresas. E agora terceirizam inclusive as atividades fim. Precarização no trabalho mata, é análoga ao trabalho escravo.
O texto da reforma trabalhista é grande e complexo, alterando tudo. O texto com as 101 propostas da CNI é parecidíssima com a reforma trabalhista aprovada.
Trabalho autônomo e trabalho intermitente
A mesma lógica se impõe na retórica de contratar autônomos. Quem são eles? Os mesmos que foram demitidos, só que agora contratados como autônomos. Isso já ocorre em vários países, sem quaisquer direitos. O direito do trabalho só existe se admitimos a desigualdade entre empregador e trabalhador.
Os novos trabalhadores não se veem com assalariados. Se isso se disseminar vai ser uma praga. O exemplo do Uber está aí. Também no caso dos trabalhadores de plataforma de prospecção marítima, criando a disputa pelo menor preço, uma espécie de mercado de trabalho privado.
O trabalho intermitente rompe com a submissão do trabalhador ao Capital, que antes ocorria exclusivamente no âmbito do horário de trabalho. Você recebe de acordo com o número de horas da contratação e seu salário base é nenhum. Não há renda mínima garantida e sua vida passa a se subordinar à dinâmica empresarial, porque você está sempre esperando a ser chamado o tempo todo. Com esse contrato ou você está trabalhando muito mais ou muito menos do que o normal. O futuro é sombrio.
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