Em evento programado para a manhã do segundo dia da reunião da Direção Nacional da ASSIBGE-SN, a historiadora e diretora do ANDES, Caroline Silva, fez uma apresentação sobre a violência nos locais de trabalho. O tema assumiu tamanha importância para os professores universitários, que foi criado um grupo sindical para produzir materiais e realizar palestras por todo o país.
Além de localizar o assunto a partir de suas raízes na História do Brasil, Caroline citou exemplos atuais de como essa prática tem consequências concretas nas vidas dos segmentos mais oprimidos da população brasileira. A Executiva Nacional informou que está finalizando uma cartilha sobre assédios e discriminação no trabalho. Confira, abaixo, os principais trechos da palestra.
“A naturalização da violência nos espaços de trabalho: um debate de classe, gênero, raça e sexualidade”
Somos um país miscigenado?
“O discurso oficial diz que somos um país miscigenado, etc. Mas esse processo não se deu de forma harmoniosa: foi pela força, pelo estupro, pelo genocídio, pela escravidão. As mulheres indígenas e negras foram as maiores vítimas. Isso foi sendo naturalizado ao longo da História. As expressões da linguagem cotidiana são a legitimação do racismo, como denegrir, etc. Quantas mulheres foram assediadas por tios e primos? Isso sempre foi considerado natural. Até hoje quem são os revistados quando a polícia para um ônibus? Preto e pobre.”
Império e preconceitos
“A Lei Áurea foi assinada não por uma necessidade de evolução da sociedade, por exigência do sistema capitalista, mas porque havia um receio grande de termos um processo semelhante ao do Haiti. A Revolta dos Malês, em Salvador, foi um prenúncio do que poderia acontecer. O pós-abolição foi muito cruel com os negros: deu a liberdade, mas não lhes assegurou nada. Quem teve acesso ao trabalho assalariado foram os imigrantes. O serviço militar era obrigatório para o menino negro, para não ser “vadio”. Os castigos na Marinha foram mantidos durante décadas e levaram à Revolta das Chibatas. Houve inúmeras revoltas populares por conta desse perfil elitista da nossa República.”
República para poucos
“A República marginalizou os não brancos e as mulheres. Ou seja, as opressões foram institucionalizadas pelo Estado brasileiro. As mulheres tiveram que lutar pelo voto, a Igreja dizia que elas não podiam trabalhar fora, por conta dos filhos. Getúlio Vargas institucionalizou a dupla jornada de trabalho das mulheres, para evitar um choque com a Igreja Católica.”
O ambiente de trabalho como espaço de reprodução da ordem
“No Brasil o mundo do trabalho foi organizado a partir das pregações da Igreja Católica, nas missas, sob um caráter moral: era um lugar da ordem. Greve era considerado uma afronta. Uma moral branca e masculina, que acabou levando a violência também para o mundo do trabalho. O assédio moral leva ao adoecimento e tem características machistas, racistas, LGBTfóbicas e gordofóbicas. Exemplo: as empresas de telemarketing, nas quais grande parte é população LGBT. Mulheres e homens são humilhados nos locais de trabalho simplesmente por serem gordos. O racismo está presente até mesmo na progressão na carreira dentro do ambiente de trabalho.”
Assédio sexual não é elogio, é violência e a culpa nunca é da vítima
“Muitas mulheres não conseguem nem gritar quando estão sofrendo assédio sexual, porque fomos educadas a não reagir. Piadas, conversas insinuantes, oferta de caronas insistentes, tocar ou apalpar o corpo de forma inapropriada são exemplos de como as coisas acontecem no ambiente do trabalho. E a desculpa é porque “ele é homem”, mas na verdade ele é agressor e tem que ser denunciado.”
Cultura do estupro e assédio sexual
“Por que o assédio moral acontece mesmo nos espaços públicos? Porque temos uma cultura de estupro. Nas delegacias as perguntas sempre insinuam que a mulher teria algum antecedente de provocação, levantando a suspeita ou colocando a responsabilidade sobre a vítima. Não somos educados a não estuprar, mas a não ser estupradas. Isso está presente nas recomendações das mães para as filhas sobre o cabelo, a maquiagem, o shortinho. Desde cedo as meninas são educadas para serem puritanas e os meninos garanhões.”
Assédio moral e sexual adoece as vítimas
“Tivemos quatro suicídios de professores na Bahia e mais de dez casos de alunos. Quem não consegue denunciar adoece. Não há como produzir quando a gente está sendo assediado no local de trabalho. É preciso fomentar espaços de formação que conscientizem as mulheres e homens, além de construir instrumentos de denúncia e acolhimento das vítimas.”
Poder e opressão
“Nosso mundo do trabalho foi construído a partir das relações de poder e onde isso acontece existe opressão. Existem cinco pontos que precisam ficar nítidos:
1) Não confundir as coisas. Simpatia não é consentimento;
2) Ser chamado de gostosa não é legal;
3) Shortinho e decote não dão direitos e nem são provocações;
4) O credenciamento de dirigente não dá direito a ninguém de assediar;
5) Assédio no local de trabalho é crime e está previsto em lei. Denuncie.
“Hoje a palavra de ordem “nenhuma a menos” está mais atual e forte do que nunca. Sem alarde o governo Temer fragilizou as delegacias de mulheres. Quando a mulher é espancada pelo companheiro e volta para casa ela está vulnerável. A medida protetiva nesses casos era importante. Com todos os problemas da Lei Maria da Penha, ela foi um avanço para caracterizar a violência doméstica como crime. Antes a pena era o pagamento com cestas básicas. A Lei Maria da Penha prevê medidas para a reeducação do agressor que não funcionam porque não há investimento público nisso.”
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