Servidores do IBGE ameaçam entregar cargos de coordenação se coleta do Censo na pandemia for mantida
Por: Daniela Amorim – Estadão
Servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ameaçam entregar cargos de coordenação caso o Censo Demográfico vá a campo este ano, em plena pandemia do novo coronavírus. Em meio aos recordes sucessivos diários no número de mortes por covid-19 e as dificuldades enfrentadas pelo governo na imunização da população, os funcionários defendem que o levantamento seja transferido para 2022.
Em plenária nacional realizada remotamente pelo sindicato de funcionários do IBGE, o ASSIBGE, no último fim de semana, os servidores votaram por aderir ao pleito de adiamento do Censo Demográfico para o ano que vem.
“É importante ressaltar que não é contra o Censo, mas pela realização do Censo em condições que garantam a sua qualidade. Porque a função número 1 do Censo é contar e caracterizar a população. E se a população não quiser receber o IBGE, o prejuízo pode ser muito grande”, lembrou Luanda Botelho, coordenadora da ASSIBGE – núcleo Chile.
O posicionamento partiu de coordenadores de área do IBGE no Rio Grande do Sul, Estado que vive atualmente sob a bandeira preta, ou seja, restrição máxima à circulação da população para conter a disseminação do coronavírus e a superlotação dos hospitais.
O pedido de adiamento do Censo Demográfico para 2022 foi apresentado à direção da unidade estadual do IBGE em videoconferência no dia 19 de fevereiro, com a presença também do diretor adjunto de Pesquisas do órgão, Cimar Azeredo.
Segundo os coordenadores, caso o instituto insista em manter o censo este ano, a maioria está disposta entregar seus cargos de coordenação, o que teria sido ratificado em videoconferência em 1º de março e em carta enviada no dia seguinte ao chefe da unidade estadual do Rio Grande do Sul, José Renato Braga de Almeida.
“Visitar todos os domicílios do país, num país do tamanho do Brasil, em meio a uma pandemia, é agir contra a lógica da humanidade, é pôr em risco a vida das pessoas e priorizar algo que pode ser realizado em outro momento, com maior segurança, com maior qualidade, atingindo o real objetivo que tem um Censo Demográfico, que é de mostrar a realidade do país em sua totalidade”, escreveram os coordenadores.
O sindicato concorda que a realização do censo num momento de pandemia traz riscos não apenas aos recenseadores como também às famílias que abrirão suas portas para a coleta.
“Foi consensual o entendimento de que os riscos, seja aos trabalhadores, seja ao conjunto da população a ser visitada, exigem da entidade sindical realinhar sua atuação em relação ao Censo Demográfico: a defesa intransigente por um censo de qualidade precisa incorporar os riscos de realizá-lo durante uma pandemia. Ante as condições postas, não apenas deve se admitir, como também é necessário defender o adiamento da operação até que haja segurança sanitária. Não há como garantir a entrega de um censo de qualidade em meio a uma grave pandemia”, diz uma nota divulgada nesta quinta-feira, 4, pelo sindicato.
Segundo a executiva nacional do ASSIBGE, uma pesquisa respondida por 246 coordenadores em 25 estados mostrou que 82% deles rechaçam a realização do Censo Demográfico em meio à pandemia. “O movimento está transcendendo bastante o âmbito sindical. Estão falando em entrega de cargos. Foi um movimento espontâneo, que surgiu entre os coordenadores do Rio Grande do Sul”, lembrou Luanda.
Procurado pela reportagem do Estadão/Broadcast, o IBGE respondeu, em nota, que mantém a previsão de início de coleta de dados em 1º de agosto, mas não se posicionou sobre a ameaça de uma entrega coletiva de cargos de coordenação.
“O orçamento previsto para o Censo é de R$ 2 bilhões, conforme proposta encaminhada ao Congresso Nacional no dia 31 de agosto de 2020. Os profissionais envolvidos no Censo observarão, em todas as etapas da operação, rígidos protocolos de saúde e segurança adotados pelo IBGE, seguindo recomendações do Ministério da Saúde e as melhoras práticas de prevenção e combate ao covid-19”, informou o órgão.
O IBGE anunciou em fevereiro um processo seletivo para preencher 204.307 vagas temporárias de recenseadores e agentes censitários para trabalhar na organização e na coleta do Censo Demográfico 2021. O levantamento, que já enfrentou cortes orçamentários, deveria ter ocorrido no ano passado, mas acabou adiado em função da pandemia. O concurso aberto em 2020 foi cancelado e o dinheiro das inscrições, devolvido.
Os contratados no novo processo seletivo devem visitar todos os cerca de 71 milhões de lares brasileiros, entre agosto e outubro deste ano, nos 5.570 municípios do País. À época do anúncio do edital, Cimar Azeredo, diretor adjunto de Pesquisas do órgão, alertou que o início da coleta ainda estava sujeito à avaliação sobre a evolução da pandemia.
Sob o atual cronograma do Censo, está previsto um teste em campo a partir de 15 de março, no município de Engenheiro Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro. O objetivo é testar o funcionamento de diferentes aspectos da coleta, incluindo os procedimentos dos recenseadores com equipamentos de proteção e o funcionamento dos dispositivos móveis utilizados para armazenar os dados.
O IBGE espera que mais de dois milhões de pessoas se inscrevam no processo seletivo. As provas objetivas serão aplicadas presencialmente no dia 18 de abril para as vagas de agentes censitários, e no dia 25 de abril para os recenseadores.
No novo edital, o órgão prevê 181.898 vagas para recenseador, 16.959 para agente censitário supervisor (ACS) e 5.450 para agente censitário municipal (ACM), com oportunidades em 5.297 municípios do País. O total de vagas abertas representa um corte de mais de quatro mil postos de trabalho em relação aos editais publicados para o concurso do ano passado, que acabou cancelado.
Quando ainda era preparado, o Censo Demográfico foi orçado pela equipe técnica do IBGE em mais de R$ 3 bilhões, mas a presidente do órgão, Susana Cordeiro Guerra, anunciou em 2019 que faria o levantamento com R$ 2,3 bilhões. Em meio às restrições orçamentárias, o órgão decidiu que o questionário básico do Censo seria reduzido de 37 perguntas previstas na versão piloto para 26. Já o questionário mais completo, que é aplicado numa amostra que equivale a 10% dos domicílios, encolheu de 112 para 77 perguntas.
Com o adiamento em 2020, o governo federal enxugou para R$ 2 bilhões o valor destinado ao censo no orçamento deste ano enviado ao Congresso.
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