A notícia de que o IBGE teria um novo presidente veio pelos jornais. Sem comunicação formal pelo Ministério do Planejamento, Wasmalia Bivar entregava medalhas e comendas em homenagem aos trabalhadores do instituto na comemoração dos 80 anos do IBGE, no teatro João Caetano/RJ, já como presidente interina. A confirmação só veio durante a noite do mesmo dia, depois do Ministro do Planejamento ter sido informado pela presidência da república de que a informação estava correta. O que há de comum com todos estes personagens? O fato de serem, até o momento, interinos.
Paulo Rabello de Castro é sujeito do mundo empresarial, com ligações na FIESP. Suas empresas vendem projeções e consultorias econômicas e têm sede em endereço próximo à sede do IBGE, no Rio de Janeiro. Sua indicação configura evidente conflito de interesses entre o público e o privado, tipificado na lei 12.813/2013. O acesso que teria, na qualidade de presidente do instituto, ao maior banco de dados da América Latina também entra em conflito com os princípios fundamentais das estatísticas oficiais da ONU ratificados no Brasil, em especial aos de imparcialidade e igualdade de acesso. Sobre o instituto de estatística não pode pairar dúvida sobre a apropriação privada de informações públicas ainda que haja boa fé dos envolvidos.
Apesar da sua indicação “nada protocolar” (como afirmou Wasmalia Bivar) e do espanto provocado internamente, Rabello de Castro ainda não assumiu formalmente a presidência do Instituto, não havendo termo de posse publicado no Diário Oficial da União. No entanto, no dia 10/06, esteve reunido com o corpo dirigente do IBGE, no auditório do CIC (onde parte do teto caiu e precisou ser evacuado).
Com a justificativa de “tomar pé” da situação do IBGE, ele teria afirmado que ficou surpreso com tudo o que o IBGE faz. Teria dito também que o IBGE já tem presidente e que ele, na verdade, seria um representante do governo Temer, que ele não teria interesse em saber das questões técnicas do instituto. Teria informado que estaria se descompatibilizando das suas empresas para poder assumir, mas que não tem pressa em tomar posse.
Tudo isso demonstra que o processo todo está marcado por um vício de origem e não contribui para a garantia da credibilidade do IBGE, que passa por uma séria crise institucional, derivadas da inconstância orçamentária que atinge a execução normal do planejamento das pesquisas, da diminuição progressiva do quadro técnico pelas aposentadorias e exonerações, pela substituição dos trabalhadores efetivos por trabalhadores temporários e pela ausência de um projeto de democratização da gestão.
Um dos bens mais valiosos do IBGE é sua cultura institucional, formulada e disseminada por todos os setores do instituto ao longo de gerações de trabalhadores. Todos são simultaneamente portadores e produtores desta cultura. Mantê-la viva, nestas circunstâncias, exige um amplo debate interno. É preciso que os trabalhadores que estão prestes a aposentar (1/3 do quadro ativo recebe abono permanência), os novos concursados, os dirigentes e a rede de coleta se organizem e possam debater coletivamente o futuro do IBGE. Para isso, é fundamental a realização de um Congresso Institucional.
É difícil de acreditar que diante da crise, a solução encontrada seja esta adotada pelo governo Temer. Parece que a sugestão é a de que no IBGE haveria duas camisas (para seguir uma analogia conhecida internamente): a “de fora”, vistosa, com colarinho duro, típica de relações públicas; e a “de dentro”, meio rota, batida de tanto enfrentar dificuldades para manter viva a confiabilidade e credibilidade do instituto. A forma como tem sido feita esta suposta “transição” é muito desrespeitosa com todo o instituto. Não passaríamos por esta situação se, por exemplo, pudéssemos eleger os cargos de presidência e direção para um mandato fixo.
Isso coloca o IBGE em risco, ao provocar uma atmosfera de intranquilidade e de incertezas a respeito do futuro do órgão. Diante dela, muitos afirmam que, com Rabello de Castro, as coisas podem melhorar e decidem esperar. Da nossa perspectiva, nossa esperança, pelo contrário, vem do verbo esperançar: levantar-se, não desistir, juntar-se coletivamente em busca de soluções de outro modo, levar a diante o debate de um IBGE mais forte e mais seguro.
A forma como a indicação foi feita, o perfil de Rabello de Castro e suas ligações com a iniciativa privada, a reunião do dia 10/06, as declarações que o indicado teria dado colocam muitas dúvidas sobre todo o processo. Dúvidas não combinam com o instituto responsável pelas estatísticas e geociências oficiais. Para um órgão como o IBGE o risco de suspeição permanente é mortal à garantia de sua autonomia técnica. Nosso vizinho da Argentina que o diga.
A se confirmar tudo isso, ficam as dúvidas: qual o motivo de sua indicação se ele não tem pressa em assumir e não se interessa pelas questões técnicas? Ser um representante do governo Temer na gestão do IBGE significa o que, exatamente? Aos mais pragmáticos, sua amizade com Temer seria tão grande a ponto de contrariar a política de ajuste fiscal impetrada pelo governo concedendo nossa reestruturação de carreira? Teriam as empresas de Rabello de Castro ganhado novos contratos com sua indicação? O IBGE teria um presidente pra fora e uma presidente para dentro? Qual o sentido? Seria o IBGE apenas um trampolim para projeção do indicado?
Da nossa perspectiva, a manutenção e o aumento da credibilidade e da autonomia técnicas do IBGE só podem vir de uma ampliação da democracia. É preciso combater a “ideologia da competência”, segundo a qual aqueles que possuem alguns conhecimentos teriam o direito “natural” de comandar os que são supostamente ignorantes, a quem restaria a função de obedecer e executar. À figura do “técnico competente” é preciso contrapor um processo em que todos tenhamos condições de debater e tomar decisões que afetam nossa vida laboral e, portanto, sermos competentes para saber fazer escolhas.
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