O presidente do IBGE defende a criação de um fundo com regras de mercado e maior contribuição da parcela mais rica da população –
Para evitar novos rombos na Previdência, será preciso adaptar algumas regras de mercado ao Estado, como a criação de um fundo previdenciário, no qual o cidadão tem uma conta individual que lhe assegura um pecúlio, garante o economista Paulo Rabello de Castro, presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para ele, a reforma “mínima” do presidente Michel Temer não é suficientemente dura e abrangente. “É uma reforma restrita aos números previdenciários atuais. Atua estritamente sobre os dados do desequilíbrio financeiro. Não à toa a proposta parte do Ministério da Fazenda. Eu não ouvi, nessa discussão, a palavra que, para mim ,é chave para a Previdência Social do futuro. Chama-se: pe-cú-lio”.
“A solução previdenciária mais robusta, mais definitiva, tem que contemplar um olhar sobre o indivíduo que contribui”, afirma. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
“A solução previdenciária mais robusta, mais definitiva, tem que contemplar um olhar sobre o indivíduo que contribui”, afirma. Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Segundo ele, a conta da Previdência só fechará, “quando tivermos um governo que planeje crescer e não apenas administrar a taxa de juros”. Rabello diz ainda que “vivemos agora um processo de corrupção estatística” e, para que o país venha a ter regras amplas e equilibradas, o Brasil precisará ser refundado. “O Brasil que corre atrás de uma vantagem continua vivo e gozando de boa saúde”, ironiza. “Enquanto não colocarmos um fim à regra do Gérson (de levar vantagem em tudo), a conta não vai fechar. Por que as pessoas correm para defender o seu lado? Porque pagaram uma carga tributária odiosa. Querem trazer de volta para si o Bolsa Família, o privilégio do servidor público ou do juro mais alto do mundo. Cada um quer colocar no bolso de volta aquilo que um Estado obeso e ineficiente já tirou”, afirma. Confira a entrevista a seguir:
Diante das mudanças demográficas, como o aumento da populaçãoidosa e a queda nas taxas de natalidade e de mortalidade infantil, qual a saída para o financiamento da Previdência?
A solução previdenciária mais robusta, mais definitiva, tem que contemplar um olhar sobre o indivíduo que contribui. Para que o contribuinte de hoje (termo complicado e de certa forma perigoso, porque ele contribui e não sabe com o quê nem para quê) vire participante de um processo que engorda um pecúlio, a transformação tem que envolver um fundo previdenciário.
Como seria moldado esse fundo?
Primeiro pela personalização das contas previdenciárias. Cada indivíduo, atualmente identificado por um número na Previdência, passa a ter uma conta previdenciária, tal como hoje ocorre no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). E não apenas como hoje o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) faz, que é um guardião coletivo de créditos futuros. Ao estabelecer a individualização ou personalização de contas previdenciárias para quem optar por esse sistema, pode-se dar o passo seguinte, que é o olhar para o futuro, com a garantia de um pecúlio. Evita-se o estrangulamento. A Previdência hoje tem como pecúlio uma geração futura que a gente sabe que não vai nascer.
Por conta das mudanças demográficas?
Sim. Estamos vivendo agora um processo de corrupção estatística. Onde está a corrupção estatística? É fazer acreditar que existirá uma geração que o IBGE está dizendo que não vai nascer, porque a demografia agirá contra. Se alguém de 20 anos de idade acreditar que vai nascer alguém para pagar a previdência dela, ou está querendo ser enganada, ou pior, eu estou querendo enganá-la, o que seria eventualmente criminoso, se eu for servidor público. Na realidade, ela tem que cuidar da previdência dela.
O que acontecerá com quem envelhecer daqui para frente?
Como o sistema anterior se valia de uma solidariedade entre gerações que não vai mais existir, temos que fazer uma transição, que não está sendo feita na reforma atual, que eu chamaria restrita, ou reforma mínima. Por isso, o governo tem pressa. Porque ele mesmo sabe, e seus especialistas também, que muito mais tem que ser feito. Não no sentido de retirar direitos. Pelo contrário. Para transformar um tipo de direito em outro. Redefinir e redesenhar o processo, para ter, repito, contabilidade personalizada e individualizada das contribuições.
Não existe mais o sistema de solidariedade?
A solidariedade existirá, sim, através dos tributos. A sociedade como um todo, principalmente os mais ricos, já ficam sabendo que terão um dever previdenciário, obviamente módico e controlado, porque a gente não quer espantar rico.
Qual será o montante financeiro total desse dever, ou o percentual de desconto?
Um imposto de renda brasileiro hoje paga a Previdência Social toda. Mas está servindo para outras atividades. Portanto, o cobertor é curto. Mas, no futuro, eu antevejo um imposto sobre as rendas corporativas e individuais para a cobertura do estoque passado. Quanto mais rápido a gente fizer o conserto, daqui a 20 ou 30 anos, esse vai ser um problema menor.
Então o senhor sugere aumento de tributos e regras de mercado no fundo previdenciário?
Fundo com regras de mercado e um eventual aumento temporário da contribuição da faixa mais rica da população, desde que essa faixa mais rica tenha um Brasil crescendo. Ela precisa contribuir a partir do que ganha, e não dos ativos que já acumulou no passado. É preciso que o Brasil volte a brilhar no seu crescimento econômico para que o cobertor tributário não fique curto.
E daqui para frente? Como lidar com as taxas de natalidade e de mortalidade?
Essa é a única parte que vai ser difícil de combinar com as moças. Estão preferindo estudar mais e adiar o momento de ter “um” filho. Felizmente, têm outras preocupações. Contudo, do ponto de vista demográfico, essa carência de contribuição reprodutiva é preocupante. A reprodução está exatamente concentrada na jovem, pobre, solteira e pouco educada. Daí a importância do olhar sobre essa faixa da população que está nascendo na pobreza, que vai constituir a massa que nós estamos achando que vai pagar a Previdência do futuro.
E quando essa conta fecha?
Hoje ela não fecha. Fechará quando tivermos um governo que planeje crescer e não apenas administrar a taxa de juros.
Há necessidade de concurso público no IBGE? Alguns servidores reclamam de sua gestão, considerada pró-mercado.
A associação dos funcionários (AssIBGE), que é muito aguerrida, fez uma leitura prévia do Paulo Rabello de Castro que felizmente não existe. Os demais servidores, com os quais tenho um contato absolutamente próximo, porque este é o meu modelo de administração, já conhecem o Paulo Rabello de Castro.
Quem é Paulo Rabello de Castro?
O Paulo está num processo de transformação do IBGE para que venha a ser o principal coordenador estatístico geográfico público do país. Missão que é legal, mas não vinha sendo cumprida devido às restrições, não só orçamentárias, mas também por falta de percepção dos demais órgãos de governo dessa importância delegada ao IBGE. Estamos, na verdade, fazendo uma transformação do que hoje é estatal para ser público. Realmente do público.
Houve sérios protestos em relação à metodologia que será usada no Censo Agropecuário. Por quê?
O Censo Agropecuário já vinha sendo adiado e sobreadiado pela administração anterior. Por um tropeço, quase o foi também pela atual. Isso é um cacoete de administrações: adiar a visibilização do Brasil estatístico geográfico. Houve uma supressão da verba inicialmente. Mas o Congresso, por emenda, capitaneada pelo Senado, e endossada pelo relator do Orçamento, aprovou R$ 505 milhões, com a ajuda e consentimento do presidente Temer — menos da metade do que o IBGE havia programado. O corte na verba criou o debate sobre a metodologia do Censo e do questionário reduzido, que prejudica até a reforma da Previdência, uma vez que não será capaz de dar conta da contagem real da população. Em respeito ao contribuinte, reformulamos as perguntas do questionário, não para desidratá-lo ou para prejudicá-lo, mas para simplificá-lo, deixando algumas perguntas mais complexas para depois. Muito acadêmico ficou choramingando. Mas o Censo agora vai ter tudo e mais alguma coisa. Vai dividir a tarefa entre o levantamento básico e urgente, a produção, as características do estabelecimento e o seu cadastro. Em seguida, teremos as pesquisas anuais com informações detalhadas sobre o meio agrícola. Vamos sair ganhando e economizaremos mais de 50% da verba. Esse é o Brasil do futuro. É o Brasil do IBGE.
O presidente Temer retirou os servidores estaduais e municipais da PEC 287. Isso terá impacto nas expectativas em relação à reforma? Qual é a sua avaliação?
Eu não sei se isso é boa ou má notícia para os estados e municípios. Temos que pensar no processo previdenciário como um todo. O que o presidente provavelmente fez, e eu não sou intérprete autorizado da decisão da Casa Civil e da República, foi, de alguma forma, afastar alguns artigos mais polêmicos, aspectos mais espinhosos da discussão para aprovar a essência da reforma, sem maiores delongas. É a reforma restrita, como eu disse.
A reforma não tende a ficar mais restrita ainda assim, embora mais fácil, porque evitou as pressões locais, como a dos professores?
O Brasil está precisando ser refundado. A mentalidade precisa ser refundada. Eu entendo perfeitamente o professor estadual e o servidor público. O Brasil que corre atrás de uma vantagem, continua vivo e gozando de boa saúde. Por que o servidor não ia correr? Enquanto a gente não estabelecer o fim da regra do Gérson, da ideia de cada um puxando para o seu lado, a conta realmente não vai fechar. As pessoas correm para ver o seu lado porque pagaram a carga tributária mais odiosa. Estão querendo trazer de volta para si o Bolsa Família, o privilégio do servidor público ou o juro mais alto do mundo. Cada um quer colocar no bolso de volta aquilo que um estado obeso e ineficiente já tirou.
Retirar alguns servidores da reforma não corrobora a ideia de puxar o cobertor só para um lado?
A remoralização começa por repensar o governo. Coisa que, na gestão Temer, não vai ser possível. Mas o próximo terá de fazer. A principal missão dele será pensar e repensar o governo. Ao repensar, ele vai desidratar sua obesidade. Será a mesma pessoa governamental, só que muito mais leve. É o que já estamos, modéstia à parte, fazendo no IBGE, diante da situação de fazer o Censo Agropecuário com R$ 500 milhões, e não com R$ 1,2 bilhão. O Censo vai custar 50% do valor. É possível fazer alguma coisa com 50% do valor original? Como? Sendo criativo. Mas isso é uma nova maneira de administrar.
Os estados terão, então, que ser criativos?
Sim. Criativos. Hoje em dia, inclusive em alguns segmentos, é proibido ser criativo no governo. Se eu faço economia, tenho que devolver para um saco sem fundo qualquer, cuja verba vai ser mal usada no dia seguinte. Então, realmente é preciso repensar o governo de alto a baixo. Como é, no caso, o desafio do meu Estado, o Rio de Janeiro. Talvez os estados tenham que ter mais coragem. Repensar com generosidade. Não com exclusivismo, de cada um querendo colocar no bolso.
Como isso ocorrerá?
Hoje estamos fazendo saques em supermercados em dia de bagunça. A população brasileira é um bando de saqueador dos privilégios públicos. Uns saqueiam mais, outros menos, mas todos nós estamos querendo saquear alguma coisa. Porque a mentalidade é de saque.
A reforma teria que ser mais dura?
A reforma está restrita aos números previdenciários atuais. Sempre deixará gosto de quero mais. Ela atua estritamente sobre os dados do desequilíbrio financeiro. Não à toa a proposta parte do Ministério da Fazenda. Ela tem um DNA de ajuste financeiro, que é correto, mas é uma visão restritiva. Eu não ouvi nessa discussão a palavra que, para mim, é chave para a Previdência do futuro. Chama-se: pe-cú-lio.
Quando essa discussão sobre pecúlio virá à tona?
Cada um tem que reconhecer seu próprio pecúlio. O INSS tem que se organizar para ser o cuidador do pecúlio de cada brasileiro que deposita os seus valores.
Por: Vera Batista
Publicado em: 27/03/2017 no Correio Braziliense Online
Raphael diz
Concordo plenamente com a ideia. Infelizmente a população em geral sofre com uma coisa chamada : falta de educação financeira. Ninguém recebe hoje o seu salário e pensa no futuro. Gasta-se mais do que se ganha e a diferença, bem… a diferença fica no cartão de crédito pra pagar no mês seguinte, a juros simplórios… O brasileiro pega dinheiro emprestado e não se incomoda em pagar juros extratosféricos aos seus credores, afinal de contas, precisa ostentar um carro novo, uma viagem, um celular que custa o seu salário mensal. Prefere ter direito a um crédito consignado e depois ficar pagando durante 5, 6 anos uma prestação. Porque não ficou juntando também este mesmo valor durante 5 ou 6 anos? A previdência que é compulsória aos trabalhadores funciona como um meio paternalista do governo chegar para o cidadão e falar assim: “me dá esse dinheiro aqui meu filho pra eu guardar pra você, aí quando você ficar mais velho você usa, tá bom? Porque você não sabe fazer isso sozinho!” Só que o governo pega o dinheiro e usa para diversas outras coisas, não fica como uma “caixinha” individual. E é justamente isso que deveria ser, como foi bem colocado na entrevista. Só para se ter uma ideia, usando um simulador financeiro (por exemplo: em http://www.clubedospoupadores.com/simulador-independencia-financeira), que é um excelente site por sinal, se um sujeito aplicar R$ 100,00 durante 30 anos, aos juros de 10% ao ano (inferior ao CDB mas superior à poupança), ao final dos 360 meses terá R$ 206.284. Só com esse valor, ele poderá sacar mensalmente, durante os 30 anos seguintes, um valor de R$ 2.122 (considerando um rendimento mensal de 1%). Ora, ele investiu por mês apenas R$ 100 (corrigindo pela inflação mensalmente, obviamente). Por que as pessoas não lutam por isso então? Exigir que a previdência deixe de ser compulsória! Cada um faz o que bem entende com o seu dinheiro e suas provisões para o futuro! E quem está no meio do processo ou já aposentado? Para esses casos, deve-se buscar um orçamento específico, mas não é nada absurdo e tem um horizonte finito. Para os que começarem agora no mercado de trabalho, a melhor opção é a liberdade de investir como desejarem. Se quiserem ser precavidos e investir em fundos, poupança, tesouro direto, é de cada um. Se quiserem simplesmente gastar e não fazer economias, deverão ser acompanhadas e monitoradas pelo governo e tem que estar cientes que sofrerão restrições no futuro. E o financiamento do SUS e outros assistencialismos? Vale a mesma observação. Pagamos duas vezes pelas mesmas coisas! Contribuimos com o SUS e pagamos plano de saúde privado! Pagamos seguro DPVAT e pagamos seguro privado! O brasileiro tem que acordar e escolher, parar de ficar esperando que o governo faça tudo por ele.