por: José Celso Cardoso Jr
Após longo e tormentoso período de intenções autoritárias, negação de direitos e demais atentados à CF-1988, mormente o desmonte do Estado, das organizações e políticas públicas federais, chegou ao fim no Brasil o governo Bolsonaro, Guedes e cia. Infelizmente, no entanto, o malogro desse desgoverno não foi apenas eleitoral. Ao fim desse tenebroso período, constata-se, como consequência direta da tentativa de destruição dos aparatos e institucionalidades de Estado, imensa fragilização político-institucional e um quase colapso das condições econômicas e sociais de vida para imensos contingentes populacionais e regiões do país.
Assim, diante desse quadro de terra arrasada é que desafios insanos se colocam para o recém-eleito governo Lula. Para enfrenta-los, praticamente tudo, em âmbito estatal, precisará passar ou por processos profundos e céleres de recriação/reconstrução, ou por processos igualmente profundos e céleres de inovação e experimentalismo institucional. Dentre esses, referimo-nos aqui a – cada vez mais imperiosa – necessidade de se conferir centralidade política e capacidade institucional a três funções estruturantes da administração pública federal: o planejamento estratégico governamental, a orçamentação e a gestão pública, sem o que o próprio processo de governar estará em risco no futuro governo Lula (2023/2026).
No que toca ao Planejamento Governamental, tem-se que os “sistemas” de planejamento federal e nacional estão completamente sucateados, tanto em termos de pessoal como – principalmente – em termos organizacionais (posição rebaixada e hiper subordinada na estrutura de governo) e institucionais (fragmentação e burocratização dos processos e precariedade das legislações pertinentes).
Neste sentido, embora o ideal fosse recriar a estrutura de planejamento no âmbito da Presidência da República, contendo IBGE e IPEA, acreditamos que uma alternativa pode ser a recriação do MPO. Este poderia cumprir de modo satisfatório as tarefas de: i) prospectar e planejar o longo prazo; ii) definir as prioridades orçamentárias por meio do PPA, LDO e LOA; iii) coordenar as agendas e programas federais de modo transversal e multissetorial; iv) promover inovações e efetividade no campo da articulação e realizações federativas e sociais junto ao planejamento federal; v) o mesmo no campo da coordenação e reativação pública das empresas estatais estratégicas; e vi) monitorar e avaliar de modo estratégico e tempestivo os programas federais.
Por sua vez, do ponto de vista da Governança Orçamentária, ao contrário do que o debate corrente sugere, o processo orçamentário é fenômeno complexo, multifacetado e dinâmico. Pode-se dizer que até 2015 havia preocupação governamental e tendências bem definidas no sentido de lhe conferir: i) maior flexibilidade alocativa ao gasto público real; ii) mais participação, transparência e representatividade – vale dizer: possibilidade de identificação – social e territorial do gasto (ainda que nem tanto em termos do processo decisório pretérito); e iii) maior robustez do ponto de vista macroeconômico, expressa pelos indicadores clássicos de fluxos e estoques.
Já de 2015 e 2016 até 2022 movimentos opostos aos narrados acima se afirmaram politicamente: i) aumento da rigidez e insuficiência orçamentária causada sobretudo pela EC 95/2016 do teto de gastos; ii) diminuição ou empobrecimento da participação, da transparência e da representatividade social e territorial do gasto; iii) maior empoderamento – de tipo antirrepublicano e antidemocrático – do poder legislativo a partir da implementação (com valores exacerbados) das emendas individuais impositivas e emendas secretas do relator; iv) piora da relação do orçamento federal com a dimensão macroeconômica, e sobrevalorização das formas financeiras/estéreis de captura dos fluxos orçamentários correntes.
Por fim, no campo da Gestão Pública, ela está há muitos anos à deriva, sem uma concepção de Estado (republicano, democrático e desenvolvimentista) a partir da qual uma verdadeira reforma administrativa de índole progressista e transformadora pudesse ganhar espaço institucional para se desenvolver. Ao contrário disso, essa agenda foi fortemente dominada pelas más intenções da PEC 32/2020, que mais atrapalharam que ajudaram a identificar os verdadeiros problemas histórico-estruturais do setor público brasileiro, a saber: o autoritarismo, o burocratismo, o privatismo, o fiscalismo e o corporativismo. Todos esses aspectos seriam exacerbados caso a PEC 32/2020 fosse aprovada, destruindo as bases constitucionais e institucionais necessárias à profissionalização da burocracia pública e à melhoria do desempenho agregado do setor público.
Deste modo, é preciso ter claro que a gestão cotidiana e as transformações necessárias da máquina pública são tarefas de natureza contínua, coletiva e cumulativa. Isso significa serem necessárias estruturas permanentes de Estado responsáveis por: i) práticas cotidianas de gestão dos aparatos e procedimentos de Estado; ii) práticas de inovação e modernização permanentes dos aparatos e rotinas de Estado; iii) o mesmo no campo da modernização tecnológica e governo digital; iv) o mesmo em relação à gestão pública do patrimônio governamental federal; v) o mesmo no âmbito das relações federativas e sociais necessárias à modernização permanente da gestão pública em níveis subnacionais; e vi) o mesmo relativamente à gestão de pessoas e às relações e condições de trabalho no setor público como um todo.
O tempo urge!
Mãos à obra!
José Celso Cardoso Jr – Doutor em Economia pelo IE-Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e desde 2019 é Presidente da Afipea-Sindical, condição na qual escreve este artigo.
O jornal completo com diversos outros materias está disponível na aba redação -> https://assibge.org.br/jornal-da-assibge/
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