O historiador e professor da UERJ, Helder Molina, foi convidado para abordar o tema “A organização por local de trabalho” no XII Congresso da ASSIBGE-SN, no dia 31 de maio, na cidade de Juiz de Fora (MG). Em sua palestra, Molina fez uma abordagem histórica do movimento da classe trabalhadora, de sua origem na Inglaterra da Revolução Industrial até os dias atuais, no Brasil. Confira a exposição resumida por tópicos.
Helder Molina (Historiador e Professor da UERJ)
I – Como surgiram e se organizaram os sindicatos e o sindicalismo no Brasil
“Um congresso é também um espaço de formação. Todos os debates, falas, o caderno de teses, tudo isso são ferramentas de formação sindical e ideológica. Eric Hobsbawm: a experiência dos trabalhadores não vem da teoria, mas da prática. Outro historiador inglês (Tompson) afirmava que o trabalhador aprendia pelo processo de luta, o conflito, como consciência de classe dos trabalhadores.
“A Inglaterra, a partir do século XVIII, é o berço da revolução industrial e do movimento operário. Com o surgimento das fábricas, impõe-se a dinâmica de aprisionamento, disciplina e socialização da classe operária, os antigos camponeses passam a ser trabalhadores coletivos.
“Os quebradores de máquinas (ludistas) são parte de uma primeira reação ao sistema de controle das fábricas. Isso evolui para o movimento cartista (que exigia jornada de trabalho de 8 horas e direito ao voto). Já a União por fábrica é a evolução do movimento cartista. Este processo vai construindo uma consciência coletiva da classe operária e de disputa com a burguesia, dando aos trabalhadores uma identidade política.”
II – A Consciência de classe se forja na luta
“Não é possível existir consciência de classe sem identidade de classe e não é possível identidade de classe sem movimento de classe ou experiência coletiva. O trabalhador sai do estágio de consciência de si para consciência para si (Lenin). O sindicato é uma escola de classe, porque ele possibilita a formação da consciência de classe em movimento.
“A mudança da realidade depende de uma coisa chamada correlação de forças, numa arena que tem adversários que também atuam. Porém, para organizar a experiência, é preciso teoria, estudo e formação. Daí o papel dos intelectuais, das diferentes concepções em disputa no movimento para a construção de uma experiência coletiva. Isso se adquire a partir dos locais de trabalho. Não é possível trazer os trabalhadores para o movimento de classe sem luta.
“A partir do século XIX o capitalismo passa a um estágio de mundialização. Na Europa o movimento dos trabalhadores passa a ser disputado pelas diversas correntes políticas. No século XX essa experiência essa experiência se desdobra nas colônias e antigas colônias, chegando às Américas e no Brasil no final do século XIX, depois da escravidão (350 anos).”
III – Fim da escravidão, industrialização e surgimento da classe trabalhadora no Brasil
“De 1850 para frente o Brasil começa a ter seus primeiros núcleos de industrialização, nas capitais. Surge uma pequena classe operária das corporações de ofício e da produção artesanal. Começam a chegar as primeiras levas de imigrantes para a produção do café e do ouro. Em 1888 acaba a escravidão no Brasil, apesar da resistência das classes dominantes.
“No início do século XX há uma crise forte no país a partir substituição da força de trabalho. O trabalho escravo legalmente acaba, mas economicamente permanece. O movimento sindical é produto da chegada dos imigrantes europeus, o anarco-sindicalismo, organizado em frentes, com uma estrutura horizontal, com o foco na greve geral e na insurreição. Nos primeiros 30 anos há um pipocar de greves por locais de trabalho, a partir do trabalho militante do anarco-sindicalismo. Depois de 1917 com a presença dos comunistas, com o PCB, em 1922.
“A primeira experiência de projeto de classe foi a Central Operária Brasileira (1907). Era uma central de círculos operários, porque não havia sindicatos. Até os anos 30 o sindicalismo está em disputa entre anarquistas e comunistas. A industrialização começa depois, com Vargas.”
IV – A importância do movimento dos trabalhadores para o fim da ditadura militar
“Em 1964 se impõe uma ditadura empresarial-militar. Toda vez que a classe dominante consegue hegemonizar a classe média ela dá um golpe. A burguesia avança em seu projeto de manutenção da internacionalização da economia, com o aparelho militar (Cita o filme “O dia que durou 21 anos”). A ditadura foi o instrumento que a classe dominante usou para impor um novo período de dominação. O movimento sindical resistiu com os instrumentos de que dispunha. Houve um processo de aniquilação física da militância, partidos e organizações da esquerda brasileira.
“A ditadura militar se esgota pelas condições de crise do capital no final dos anos 70, mas sua queda se dá principalmente pela força do movimento operário, estudantil e democrático de contestação ao regime. A classe média, que em 64 apoiou o golpe “contra o perigo comunista” ou “baderna”, adere ao movimento pela redemocratização do país.
“No final dos anos 70 nas principais regiões industriais metropolitanas há um levante da classe média, do movimento operário e o movimento estudantil. No caso do movimento operário contra o movimento sindical de cúpula pelego. Em 1979 no ABC, em Contagem/Betim/Ipatinga e no Rio os trabalhadores retomam suas lutas. Isso cria uma nova correlação de forças para esgotar a ditadura militar.”
V – Do novo sindicalismo à burocratização do movimento dos trabalhadores
“O novo sindicalismo nasce das greves nos locais de trabalho. Em 79/80 havia duas concepções em disputa: pelega/cupulista e outra, de baixo para cima, das lutas de caráter subversivo em relação à ordem e ao sindicato. O ponto de “subversão” é o local de trabalho, para uma nova alternativa das classes “perigosas”, no sentido de interferir na sociedade e ameaçar o Estado. O “novo sindicalismo” era, então, revolucionário.
“O PT (1982) e a CUT (1983) formaram um processo de alavanca para a transformação social naquele período. Mas o PT e a CUT não nasceram propondo revolução, e sim para lutar por reformas e pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Nos manifestos dessas organizações havia declarações à esquerda, mas não se afirmavam assim pela sua prática. O PT e a CUT foram hegemonizados por uma corrente social-democrata, sem se propor a ameaçar a estrutura capitalista.
“O local de trabalho permanece sendo aquilo que potencializa a organização sindical. Nestes últimos 30 anos três coisas aconteceram na esquerda: 1) a esquerda que era movimento se institucionalizou; 2) a esquerda se aburguesou, tomou para si os parâmetros do Estado e do modo de pensar burguês como seu modus operandi, principalmente depois que parte da esquerda assumiu parcela de gestão do Estado (comitê de negócios das classes dominantes); 3)a esquerda abandonou a organização por local de trabalho, de base.”
VI – Voltar para a base e trabalhar com as novas levas de trabalhadores
“Tarefas para hoje: retomar a organização por local de trabalho. Armando Boito (Unicamp) diz que o sindicalismo brasileiro nasceu sob o controle do Estado. 80% do sindicalismo brasileiro está preso ao imposto sindical. O sindicalismo do setor público nasceu negando o imposto sindical, mas o setor privado não. O capital não quer perder a tutela, mas não quer financiar o sindicato com dinheiro que arrecada junto aos trabalhadores. A legalização do imposto sindical para as centrais sindicais, em 2006,levou a um banditismo sindical e a uma pulverização, com o surgimento de várias novas centrais.
“Hoje a maior parte do movimento sindical não tem estratégia, faz movimento, apaga incêndio e não constrói uma estratégia própria. Atua numa lógica prisioneira das táticas (passos), diferente de estratégia (onde se quer chegar). Qual projeto de sociedade nós temos? O que nos faz vir para este Congresso? É a luta pelo salário e emprego, dentro dos limites do capital. O Estado capitalista no Brasil está podre, mas o grande debate que continuamos a fazer nos sindicatos é o reajuste, a tabela. No limite alguns sindicatos arranham uma estratégia.
VII – A importância da formação sindical de classe
“É preciso retomar o trabalho de formação político-ideológica nos locais de trabalho, principalmente com os novos. Os novos colegas estão prisioneiros da “meritocracia”, compram a revista Você SA, se acham empresários de si mesmos, um burguês de ideologia e um proletário de bolso. Comem coxinha e arrotam caviar, estão prisioneiros do individualismo (eu me basto), que é a base do pensamento neoliberal. Se relacionam com o sindicato como cliente/consumidor, prestador de serviço. Essa turma, que entrou no serviço público pela luta sindical, que exigiu concursos públicos, reproduz a lógica da geleia geral que virou a política: “Político é tudo ladrão”.
“Como é possível mudar a ordem das coisas sem fazer política? Essa leva de dirigentes que assumiu os sindicatos depois que o PT foi ao governo, age na lógica de que o sindicato basta a si mesmo. Por isso, seja qual for o partido de plantão, quando a gente vai negociar com o governo federal, com mais de 50 carreiras, com um movimento que não se entende, com lógica corporativa, o governo estimula a divisão, naquele princípio maquiavélico de “dividir para reinar”. Por isso não tem data-base, nem convenção 151, nem direito de greve e nem acordo coletivo nacional.”
Oficina para reflexão dos presentes
Foram formados quatro grupos para debater os seguintes pontos:
1 – No seu Núcleo como se dá a abordagem aos trabalhadores no local de trabalho?
2 – Como abordamos os novos trabalhadores?
3 – O que temos feito de formação nos locais de trabalho?
4 – Como enfrentar a lógica do consumismo, da “meritocracia” e do corporativismo nos locais de trabalho?
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.