A economista Jessica Name, doutora pela UFRJ e coordenadora do DIEESE, foi a palestrante sobre a conjuntura no VII Encontro Nacional de Aposentados e Aposentandos da ASSIBGE-SN. Destacamos, em duas partes, os principais trechos de sua exposição. Confira.
A conjuntura de crise no Brasil e as reformas, na análise de Jessica Name (DIEESE) – Parte I
A crise e as soluções que se apresentam
“Se a crise afetasse a todos da mesma forma, ou a gente já teria se reunido para acabar com ela ou ela não teria existido. Obviamente um grupo ganha e outro perde com a crise. O que tem nos assustado é a velocidade com que ela vem. Esse divisor de águas tem provocado uma grande transferência de renda dos trabalhadores para um grupo minoritário. Trata-se de uma crise política no Brasil e também internacional.
“Estamos deixando de produzir e exportar produtos industrializados para voltar nossa pauta para produtos primários. Há um acirramento de posições desde 2013, com uma discussão sobre que tipo de país queremos, que padrão de renda e como ela é distribuída. Será que estamos querendo voltar a ser um país agroexportador? Quanto de trabalho a gente recebe e quanto está sendo apropriado por grupos minoritários? Estre debate está vindo sob a forma de “modernização ” do país, com as chamadas reformas ou contrarreformas, que retiram direitos da maioria.”
Cenário confuso e sem uma saída no horizonte
“As pequenas e médias empresas têm tido dificuldades de se estabelecer, enquanto as grandes se mantêm, porque têm mais recursos e influência política. Não há projeto econômico continuado no Brasil sem passar pelo poder público. Temos um empresariado muito conservador e, neste momento, investimentos públicos retraídos por um governo conservador, além de um empresariado que não investe a espera das tais reformas. O que gera postos de trabalho em larga escala é a produção.
“A Lava-jato tem papel central nesta crise, mas com uma certa parcialidade. Agora ela avança para o setor privado, como a JBS, o que paralisa as empresas atingidas, causando também desemprego. Na política contamos com um Congresso Nacional sem legitimidade e não se enxerga quadros políticos que apresentem um novo horizonte.”
Queda de arrecadação e dívida pública
“Estados e municípios também são atingidos pela crise. No DIEESE temos demonstrado que a crise é provocada pela queda da arrecadação, não pelo crescimento dos gastos. A Emenda Constitucional 95 (cria o teto de gastos públicos) veio para limitar os investimentos sociais por vinte anos, mas não limitou os gastos com a dívida pública brasileira, responsável por grande parte da dilapidação dos recursos orçamentários do país.
“A inflação está em queda, com a redução dos preços, em função da queda do consumo e da recessão. Temos saldo positivo na balança comercial brasileira, o que é um indicador de crise. Importamos menos e exportamos produtos primários. Com a desvalorização do cambio os produtos nacionais ficaram mais baratos, mas os setores exportadores empregam muito pouco no Brasil.”
Produção nacional e renda
Houve queda nos últimos três anos na indústria, na construção civil e a cadeia do petróleo também vem caindo, o que atinge toda a cadeia produtiva. As taxas de juros permanecem muito altas. Nos últimos 12 meses a produção industrial teve queda em todos os setores. O consumo das famílias também vem caindo, com restrições ao crédito e as altas taxas de desemprego. Também houve diminuição dos salários médios e redução da massa salarial. O tempo médio de procura de trabalho cresceu. Estamos caminhando para um novo patamar do mercado de trabalho, com precarização elevada.
“Só com investimentos sociais do Estado, com base nos recursos naturais estratégicos que temos no Brasil, seria possível zerar o déficit social neste país. Isso significa dar moradia, transporte, educação, saúde digna para todos os brasileiros. É preciso sair deste monólogo em que nos encontramos e passar a debater um acordo nacional em torno de como podemos sair desta crise.”
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PEC 287 – A minimização da Previdência Pública
“Diz o governo que a Previdência é deficitária, levando em conta apenas as contribuições previdenciárias. Mas a Constituição assegura que a Previdência está no bojo da Seguridade Social, com fontes de financiamento mais amplas: taxa sobre o lucro das empresas, taxa sobre as loterias e sobre importação de bens e serviços. Dois terços dos benefícios pagos são de um salário mínimo. Em 2014 tínhamos 24 milhões de pessoas fora da Previdência. A Previdência pública é um pacto social solidário entre os que estão na ativa e os inativos”.
Previdência privada e os servidores públicos
“A corrida para a previdência privada cabe a muito pouca gente. Atualmente os planos de regime próprio de servidores federais, estaduais e municipais têm seis vezes mais recursos do que os da esfera privada. A reforma trabalhista, com a precarização do mundo do trabalho, vai reduzir dramaticamente a contribuição da previdência pública”.
Novas regras e problemas na reforma da Previdência
“A maior parte das aposentadorias no Brasil é por idade, o que indica que as pessoas não se aposentam pelo tempo de contribuição, fruto da insegurança do mercado de trabalho. Com a mudança para 25 anos de contribuição mínima esta situação vai piorar, sobretudo no mercado de trabalho. Para os servidores públicos a idade mínima de aposentadoria passa para 65 anos para homens e 62 para mulheres, com 25 anos de contribuição. A atual diferença da aposentadoria da mulher para a do homem leva em consideração o tempo de trabalho doméstico despendido pelas mulheres”.
Novas regras só pioram a aposentadoria
“Hoje a aposentadoria é medida pela média das 80 últimas maiores remunerações. Agora você vai pegar todas as contribuições desde 1994 para fazer a média, o que rebaixa o valor do benefício. Atualmente o trabalhador recebe no mínimo 85% do valor quando se aposenta por idade, o que vai cair para 75% com a reforma da Previdência. Com as novas regras, além da idade mínima, o trabalhador terá que contribuir por 40 anos para receber o benefício em valor integral. No caso do servidor, a idade mínima será de 55 para a mulher e 60 para o homem, mas com uma regra de transição que aumenta a idade mínima para a aposentadoria ao longo dos próximos anos. Em 2028 ela será de 60 e 65 anos”.
Integralidade e paridade
“Estão mantidas apenas para quem entrou até 2003 e tenha idade igual ou superior a 62 (mulher) e 65 anos (homem). Quem entrou depois já não terá a integralidade e a paridade garantidas”.
Principais atingidos pela reforma da Previdência
Muita gente não vai conseguir se aposentar e os grupos mais atingidos serão mulheres e trabalhadores de baixa renda e os que atuam em serviços menos valorizados. Haverá um tempo maior de permanência dos mais idosos no mercado de trabalho, maior dificuldade para os mais velhos que ficarem desempregados, dificuldade de ingresso das pessoas mais jovens em posições protegidas e um desestímulo à busca do emprego formal”.
Reforma trabalhista: modernização ou desproteção do trabalho?
“É um sonho de consumo do empresariado, faz tempo, fragmentar o mercado de trabalho e pagar o mínimo de direitos. Só que quem consome os produtos das empresas somos nós, que estamos no mercado de trabalho. O sistema de relações de trabalho faz a mediação do conflito entre capital e trabalho, com a atuação do Estado. A CLT de 1943 vem sendo atualizada ao longo das décadas, portanto, não há defasagem da CLT.
“O que gera emprego é investimento e produção. O que querem é legalizar a perda de direitos e as formas precárias de ocupação. Tudo que gera perda das empresas na Justiça do Trabalho está na reforma trabalhista. A reforma enfraquece a Justiça e retira a força dos sindicatos. Isso para dar as tais “garantias legais” para o investimento das empresas. Isso vai significar um estímulo à precarização do mercado de trabalho. Serão mais de 100 artigos da CLT modificados. É a maior mudança no mercado de trabalho no Brasil desde 1930, desmontando todo o conceito político, jurídico e ideológico que fundamentou o sistema de relações de trabalho no país até aqui”
Desmonte promovido pela reforma trabalhista atinge o setor público
“Todo o desmonte das relações de trabalho que está sendo realizado no setor privado está sendo repassado ao setor público. O acordo coletivo poderá se sobrepor ao que está previsto na legislação. Alguns pontos da terceirização generalizada vão atingir o setor público. O uso de Organizações Sociais, Parcerias Público Privadas e fundações se amplia com a reforma trabalhista. Teremos uma parcela reduzida de categorias regendo uma massa enorme de terceirizados e temporários no setor público. Isso já pode ser pensado no caso do IBGE”.
Cardápio de formas de contratação
“A reforma trabalhista (PLC 38/2017) cria o trabalho intermitente, o teletrabalho e amplia o trabalho terceirizado, temporário, parcial e autônomo. A Justiça do Trabalho vai passar a cobrar taxas sobre as ações trabalhistas, o que ameaça o recurso do trabalhador ao Judiciário de forma individual e coletiva. A reforma também prevê a criação de comissões de representação dos trabalhadores por empresa, proibindo o sindicato de participar das eleições”.
Reforma perversa e reação nas ruas
“A reforma trabalhista é mais perversa e desmonta a Previdência. Se ela for aprovada, pode comprometer até mesmo os benefícios dos que já estão aposentados. E pode passar com mais facilidade, porque é um projeto de lei (50% mais um dos votos dos parlamentares) e não uma Proposta de Emenda Constitucional, que só pode ser aprovada com 2/3 dos votos no Congresso Nacional. O que anima um pouco é que as pessoas estão começando a reagir, inclusive nas ruas, porque elas estão desesperadas”.
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