Cássius de Brito (diretor da Executiva Nacional da ASSIBGE-SN) e Rudá Ricci (sociólogo do Instituto Cultiva) fizeram a análise da conjuntura brasileira, em meio a uma crise política e econômica que atinge o país. Publicamos as intervenções de Cássius e Rudá, que procuraram apresentar uma breve retrospectiva dos últimos anos, além de uma série de considerações para a compreensão da realidade brasileira contemporânea. Confira, abaixo, os principais pontos das palestras.
Cássius de Brito (Diretor da Executiva Nacional da ASSIBGE-SN)
Retrospectiva da conjuntura dos últimos anos
2014
Governo Dilma desonerou a folha de pagamentos, deu incentivos fiscais para grandes empresas, mas o empresariado embolsou tudo isso.
2015
Dilma coloca Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, promovendo um choque recessivo; choque fiscal, com corte de investimentos públicos (-2,9%); choque de preços administrados (combustíveis e eletricidade, o que elevou o IPCA em 2015 em 18%); inflação subiu, reduzindo o poder de consumo das famílias; choque cambial, desvalorizando em 50% o real frente ao dólar, encarecendo as importações; e choque monetário (com aumento dos juros e do crédito). Isso não é fruto do acaso, mas de uma opção política, quando Dilma passa a adotar o programa que foi derrotado nas eleições de 2014.
2016
Golpe parlamentar – baseado no programa “Uma ponte para o futuro”, foi uma medida política que permitiu que o choque recessivo fosse interrompido e que passa a ser permanente (Emenda Constitucional 95 – Impõe teto de gastos por 20 anos). Para isso vigorar é preciso fazer reforma da Previdência e reforma trabalhista.
A idéia central é recuperar as taxas de lucros, atacando o custo do trabalho (terceirização geral, contrato intermitente, reforma trabalhista) e abrindo novos nichos para a acumulação de capital, explorando serviços que até então eram públicos (previdência privada, fundos de pensão privados, etc) e terceirização generalizada nos serviços públicos. Rabello de Castro é expressão desta política no IBGE.
Isso tudo com uma promessa da fadinha da confiança – Economistas neoliberais afirmam que essas medidas vão aumentar a confiança dos empresários , vai haver investimentos e sair da recessão. Foi preciso rever a metodologia das pesquisas do IBGE (PMC e PMS).
Aumento das taxas de pobreza já estão começando a aparecer nas estatísticas, num período curto de tempo.
2017
Fragmentação do bloco de poder que embarcou na Ponte para o Futuro, diante da resistência popular, da divergência quanto ao ritmo das reformas e da incapacidade de Temer de ser o fiador do programa. Delação da JBS leva a uma cisão desse bloco. Cenário leva a uma divisão da mídia empresarial: Globo bate no Temer, já Estadão e Folha mais prudentes.
Há uma avaliação de que Temer não serve mais e que é preciso um novo fiador para impor essas reformas. Dois lados: bloco da rapinagem dos direitos sociais e trabalhistas e um bloco de movimento de resistência, que começou defensivo e avançou para uma pauta afirmativa de saída política da crise (eleições diretas).
Discussão estratégica está colocada
Movimentos sociais, centrais, sindicatos e partidos políticos de esquerda vão mirar apenas no processo eleitoral de 2018 ou vão discutir um projeto para o país, com base nas demandas populares? Que papel vamos cumprir de forma emergencial e que tarefas estão colocadas no campo popular de médio e longo prazo?
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Rudá Ricci (sociólogo e membro do Instituto Cultiva)
A conjuntura está muito acelerada, o que dificulta tirar conclusões de maior fôlego
O projeto liberal, que chegou ao Brasil com o governo Collor nos anos 90, retornou com Joaquim Levy e pelas mãos de Dilma (Agenda Brasil), e se transformou no documento “Uma Ponte para o Futuro”, da FIESP. Isso só demonstra que o empresariado brasileiro é tacanho, não tem formação e politicamente não tem vocação democrática. Três aspectos devem ser destacados para uma análise da atual situação política do país:
1) Esse projeto ultra liberal se baseia na lógica de que diminuindo os custos de produção se aumenta a competitividade, de forma que se cria empregos. O colapso do governo Temer é uma desmoralização da agenda liberal. Hoje 95% dos brasileiros rejeitam o governo Temer, sobretudo as reformas previdenciária e trabalhista. Este é o melhor momento para os movimentos populares e a esquerda desde o primeiro governo da Dilma. O que falta é estratégia e lideranças. Temos que parar com este derrotismo dos neopetistas, que estão desesperados e atribuem isso ao Dória, ao FHC e a uma conspiração internacional.
2) Esta crise vem desnudando o empresariado brasileiro, com seu estatuto moral dele: cruel, desonesto, corrupto e que não sabe ser capitalista. A narrativa da Lava-Jato mostra isso, com a compra de políticos. É o empresariado que fixa preço no Estado brasileiro, que colocou Henrique Meirelles e Paulo Rabello no governo Temer. Não há mais como esconder que são golpistas e desonestos, que vivem à custa de recursos públicos. Não há um que se sustente por sua competência técnica, sem passar pelo financiamento do BNDES. E olhe que as investigações ainda não chegaram aos setores elétrico e financeiro.
3) Há uma fortíssima instabilidade, sem chance da gente acertar o que vai acontecer daqui a uma semana. A qualquer momento podemos ter mais uma delação poderosa. Até aqui a JBS citou dois juízes, mas tem mais.
Rudá Ricci, sobre a Conjuntura (II)
Ingressamos numa fase no Brasil que a Europa já vive, de lideranças políticas de ciclo curto. No Brasil a exceção é Lula, mas se mantiver a mesma agenda e as velhas alianças também não se sustentará. Com a falta de um projeto sólido para enfrentar a crise não há como segurar a população brasileira, que voltará às ruas.
Em 15 e 31 de março houve pela primeira vez a interiorização dos protestos, em cidades do com a participação de centenas ou milhares de habitantes. Essa insatisfação com o governo Temer está levando o protesto para as cidades pequenas. O movimento sindical retornou ao cenário, depois de ser destruído pelo lulismo, em que cumpriu o papel de correia de transmissão do governo. Os sindicatos de professores e de trabalhadores rurais cumpriram o papel de mobilizar este povo pelo interior.
O bloco dominante quis impor a reforma previdenciária, o que foi uma política desastrosa e despertou a resistência nas ruas. Isso tudo com as mais recentes denúncias que envolvem o próprio Temer. O problema é que Temer, o PSDB e o baixo clero não sabem mais o que fazer. A Rede Globo é a única força que sabe o que quer: garantir as reformas agora e um governo pela via da eleição indireta. Portanto, há um caldo de cultura forte para a mobilização.
Rudá Ricci, sobre a conjuntura (III)
Está nítido que o Impeachment foi o maior erro político desse bloco conservador no Brasil nos últimos 20 anos. Estamos vivendo uma crise política, sem lideranças conservadoras inteligentes e hábeis. Tancredo Neves era um exemplo de liderança astuta que faz falta a eles. Se Dilma ainda estivesse no governo eles venceriam as eleições de 2018 facilmente.
A recessão que vivemos foi provocada pelo Estado: a) desvalorização do real e o aumento da taxa de juros retiram do mercado o dinheiro de investimentos e arrebenta com o consumo e o emprego. Não há mais como fazer girar esta roda para trás. O FMI baixou um relatório que aponta a retomada da economia brasileira só em 2018. Esta coalização conservadora decidiu tomar o governo em 2016. Por isso, era preciso fazer as reformas em dois meses, mas isso já está durando um ano. Estão derrotados.
A briga agora é como fazer a transição, com ao menos a aprovação de parte das reformas. No dia da delação da JBS, a Globo tomou uma decisão editorial de defender o fim do governo Temer. Já sabiam que Temer não tinha votos para aprovar a reforma da previdência na Câmara dos Deputados (tinha só 236 votos). Agora eles é que correm contra o tempo.
Se tiver Impeachment a crise pode se prolongar por um processo de uns seis meses. Portanto, a Globo pede renuncia já, com eleição indireta agora e aprovação imediata das reformas. Para tocar esse processo tem que ser um “boi de piranha” que vai morrer em 2018. Só estamos mal agora porque o movimento se ajoelhou perante o Estado nos últimos anos, sob os governos petistas. Agora estamos acordando. O movimento sindical é a bola da vez para levar o movimento para as ruas. Por isso as elites querem a reforma trabalhista, para quebrar a espinha do movimento sindical.
Rudá Ricci, sobre a conjuntura (IV)
As elites conservadoras estão a um passo de entregar o governo pela quinta vez para o PT. Se tiver eleição direta eles sabem que o Lula está eleito e eles não têm dúvida disso. Pode até vencer no primeiro turno. Quem fez isso foi esse bloco conservador e seu governo.
O bloco no poder hoje é formado pelo baixo clero/Temer (PMDB), o PSDB (agora esfacelado) e a FIESP. Temer é um nome fraco, que era o distribuidor da arrecadação do PMDB. Metade do ministério do Temer é do baixo clero. Contradição do governo Temer é entre FIESP x Baixo Clero: um quer reduzir investimentos, outro quer gastos para se manter na esfera do governo.
Vivemos também um processo de politização do Poder Judiciário. Isso se dá hoje porque no final dos anos 90 o movimento sindical passou a levar suas questões para serem dirimidas pelo Judiciário, abandonando a base e os locais de trabalho. O escândalo do Mensalão começou a criar os ministros heróis do STF, através do julgamento transmitido em tempo real.
Sérgio Moro aparece com a Operação Lava-Jato. A ministra Carmem Lúcia passa a participar da negociação de um possível novo governo. A Lava-Jato é o imponderável da conjuntura. A PF está dividida, Aécio está destruído e o PSDB, perde em Minas e, por conseguinte, perde as eleições em 2018. Temer resgatou o petismo e Lula está vacinado, não cola mais nele a corrupção.
Rudá Ricci, sobre a Conjuntura (V)
Atualmente temos um Congresso do baixo clero, o mais conservador desde 1964.
Composição atual do Congresso Nacional:
Bancada dos empresários – 190; Bancada ruralista – 257; Bancada evangélica – 52; Bancada de policiais – 55; Bancada dos trabalhadores – 46; Mulheres – 9,9%; e Negros – 4,1%.
Neste Congresso não há saída que aplaque a crise. Quem está rachando com o Temer na base do governo só está pensando na eleição de 2018. É importante lembrar que política não é fato, é versão. O tempo está ao nosso favor, quanto mais se arrasta a crise deste governo.
Rudá Ricci, sobre a Conjuntura (VI)
Uma sociedade de valores conservadores
As pesquisas indicam que a cultura popular de massas com o Lulismo é ultraconservadora, mas quer um Estado forte. Portanto, a esquerda está mal aí. A família é um valor central para os brasileiros. Só 3% dos brasileiros confiam nos brasileiros, portanto, a autoconfiança é baixíssima. 70% da classe C são contra greves e favoráveis à ordem.
Temos uma sociedade com valores rurais e nos jogamos na modernidade, portanto, com uma cultura híbrida. A classe média brasileira (25% da população) se acha presa numa casta, não tolera que qualquer pobre entre num shopping. O valor da classe media brasileira do Centro- Sul do Brasil é a tal “meritocracia”. Se ela não tem a riqueza da JBS, tem o shopping, tem bolsa de grife e celular do ano.
Uma cultura que mistura a valorização da troca de favores com a luta pelos direitos. Até nas categorias do funcionalismo, nas greves isso está presente. Tem gente se desfiliando de Sindicato porque precisa de margem para conseguir empréstimo bancário.
Não houve renovação de quadros de envergadura. Perdemos a cultura democrática. Entregamos a alma do Brasil para a direita. Contra isso tudo que vamos ter que nos mover. Política é jogo de xadrez, é preciso prever o que o outro vai fazer com antecedência.
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