Discutir o papel do IBGE na sociedade brasileira foi o objetivo do debate “O IBGE que queremos”, um dos temas mais importantes do XII Congresso da ASSIBGE-SN, realizado de 29 de maio a 3 de junho de 2017, em Juiz de Fora (MG). Para abordar o tema o Sindicato indicou Dione de Oliveira (Executiva Nacional e Núcleo Sindical Av. Chile), que participa de um grupo de discussão a este respeito. Foram convidados o economista Wellington Leonardo da Silva (Conselho Federal de Economia – Cofecon) e Marco Mitidiero Junior (Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB). Também deram contribuições ao debate o colega Betão (Núcleo Sindical S. Catarina) e Susana L. Drumond (Núcleo Sindical UE/RJ). Confira um resumo das intervenções nos textos abaixo.
Dione Oliveira (Executiva Nacional ASSIBGE-SN)
Breve radiografia do IBGE
Quando Paulo Rabello assumiu a Presidência do IBGE já havia uma utilização crescente de mão de obra temporária, orçamento exíguo e excesso de trabalho, limitação às atividades sindicais, Recursos Humanos voltados para o controle do tempo e das pessoas, crescimento do número de aposentadorias e escolha de chefias regionais por meritocracia (TO, GO, MT e RR). Isso foi herança da gestão Wasmália/Dilma.
O legado desastroso de Paulo Rabello de Castro
Em um ano na Presidência, Paulo Rabello de Castro traz para o IBGE sua visão ultraliberal, além de fazer do órgão uma ferramenta de propaganda do governo e de projeção para seu projeto pessoal. Cria a frente parlamentar da GEMA, que visa buscar apoio ao seu projeto no Congresso Nacional e propõe que o IBGE opere num sistema “pesque e pague”, vendendo serviços e pesquisas por encomenda.
Como legado Rabello deixa encaminhado junto ao Ministério do Planejamento um projeto de alteração do Estatuto, que subordina o atual Conselho Diretor do IBGE a um Conselho Superior de Gestão, composto por: Presidente do IBGE, representantes de quatro ministérios, um ex-presidente do IBGE e cinco membros da “sociedade civil” (sem explicitar qual) escolhidos pelo próprio Presidente do IBGE.
A desastrosa passagem de Rabello deixa também um projeto de Censo Agropecuário mutilado e até o factoide de um Censo Penitenciário, além de inúmeras declarações públicas que colocaram o IBGE e os ibgeanos em situação delicada. Isso tudo arranha o que há de mais importante num órgão de pesquisas oficial, que é a sua credibilidade.
Ao contrário disso, a ASSIBGE-SN só enxerga uma solução para a superação da crise do IBGE: a democratização da gestão. Isso passa pela convocação de um congresso institucional, com ampla participação da categoria, eleição direta do Presidente, Conselho Diretor e chefias das unidades estaduais e departamentos, planejamento estratégico discutido de forma horizontal e a garantia do um IBGE como órgão de Estado.
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Betão (Núcleo Santa Catarina)
Geociências em segundo plano
Há um nítido desequilíbrio no IBGE em relação às Geociências. O documento final do Congresso Democrático sobre o IBGE (2009) apontou uma série de problemas que se confirmaram nos últimos anos. No próprio livro comemorativo de 80 anos do IBGE (2016) a palavra estatística aparece 490 vezes, enquanto a palavra geografia é citada 80 vezes.
Antes era uma cartografia de apoio à estatística, mas que ganhou muito força depois no IBGE. A partir de determinado momento a predominância do projeto neoliberal implantou um pensamento econômico determinante, colocando a Geografia como coadjuvante no IBGE.
O “G” do IBGE também está ameaçado
A CONCAR, criada no regime militar (sob a lógica da Segurança Nacional), ligada ao Planejamento e à Presidência, com a participação de empresas privadas de fotogrametria, saiu do âmbito do IBGE. No início do século XXI caiu a produção do IBGE, mas o IBGE passou a contratar serviços de Geodésia e Cartografia, inclusive com a terceirização de atividades fim. Exemplo disso é a base cartográfica de 1X100mil, agora em 2017.
Em 2012 tentaram criar Agencia Nacional de Cartografia, mas isso foi estancado pela pressão do IBGE e de outros órgãos. No entanto, essa iniciativa escancarou a insatisfação dos usuários com os produtos cartográficos e também o interesse de grupos privados nesta área. A proposta de mudança de Estatuto, encaminhada pela administração Rabello de Castro, também atinge as atribuições da área de Geociências, com foco nas “demandas dos usuários”.
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Susana L. Drumond (Núcleo UE/RJ)
Não é novidade para nós discutir os rumos do IBGE. A ASSIBGE-SN sempre pautou debates sobre o Estado e o papel do IBGE.
Na década 90, diante da ameaça da Reforma Administrativa do governo, preparamos um Estatuto alternativo e já dizíamos que havia chefias de longa data e feudos no IBGE. Elaboramos uma proposta de estrutura democrática, a partir de um grupo de 30 pessoas. E ela permanece atual.
Em 1996 foi lançado um documento da SBPC e outras entidades, que reivindicavam um conselho nacional de coordenação de estatísticas, com o debate sobre informações para uma sociedade democrática, com um conselho técnico formado com a participação de centrais sindicais, mídia, mundo empresarial, etc.
No ano de 2009 realizamos o Congresso Democrático sobre o IBGE, cujo documento final propôs um Conselho Consultivo ampliado, público, democrático. Ali defendíamos que o Estado brasileiro produzisse um bem fundamental, que é a informação para toda a sociedade.
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Wellington Leonardo da Silva (Conselho Federal de Economia)
O IBGE que queremos tem que ser um órgão de Estado
Há pouco tempo se dizia que o Conselho Federal de Economia não poderia se posicionar sobre economia e política. Os conservadores querem isso. Mas se fosse para defender as reformas neoliberais poderia. No entanto, este ano o Conselho Federal e o do Rio já se posicionaram contra as reformas trabalhista e previdenciária, defendendo eleições diretas nos três níveis e uma Constituinte exclusiva, para fazer a reforma política.
O que importa às elites é empurrar as reformas à toque de caixa, mesmo que seja com outro Temer.
Diante da abrupta aplicação de uma nova metodologia da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) e da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), que têm incidência direta sobre o cálculo do PIB, o Conselho Federal de Economia decidiu pedir esclarecimentos ao IBGE. Estamos aguardando a resposta, mas até agora não obtivemos nenhum retorno.
O IBGE que queremos tem que ser um órgão de Estado, cujo corpo técnico tem que ter autonomia para produzir estudos e projetos, visando forjar políticas públicas para o país. A POF é importante, o Censo Demográfico intermediário é importante (entre os dez anos), o Censo Agro, incluindo a agricultura familiar, é fundamental, além de pesquisas sobre desigualdade social (dados sobre isso) e as pesquisas geográficas e geodésicas, em consonância com a área de Estatística.
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Marco Mitidiero Junior (Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB)
Como o G do IBGE está sendo impactado por esta conjuntura?
Hoje as multinacionais perseguem o conhecimento crítico. As empresas funcionam como Estados, portanto, temos um imperialismo de empresas, como diria Milton Santos. Com o processo de privatização este conhecimento pode ficar restrito. Cobrar por pesquisas é uma forma de restringir o conhecimento. Subordinar o Censo Agro à Comissão de Agricultura do Senado é subordinar ao o Censo ao agronegócio.
Como a crise teve origem e se deu no epicentro financeiro do Planeta (EUA e Europa), e havia a possibilidade deste capital evaporar, muitos grupos foram comprar ativos da Natureza. O projeto é privatizar e “mercadorificar” a Natureza, como nunca imaginamos, sob a lógica da exploração econômica (terras, sol, água, ar, etc). A política de negociação de créditos de carbono transforma a Natureza em ativo financeiro. O Agronegócio brasileiro é tão somente o resultado da crise do capitalismo internacional e brasileiro.
Papel da Geografia e do IBGE neste momento
A proposta de “estrangeirização” de terras vem com novos projetos de lei neste governo. Há também um ataque ao IBGE, através de indicações cirúrgicas, privatização do conhecimento, intensificando a precarização do serviço e a hiperprecarização da mão de obra. O maior exemplo disso são os ataques ao Censo Agropecuário do IBGE.
A AGB redigiu e publicou uma nota contra as limitações impostas ao Censo Agropecuário. No Censo 2006 já havia barreiras e limites, tanto que ele só foi publicado em 2010. Mesmo ali existe um dado que esconde o latifúndio: sumiram as propriedades com terras de 10 mil hectares ou mais.
“Fazer mais com menos” não é o caminho
Há também um ataque à quantidade e qualidade das informações, com um corte cirúrgico de mais de 60% das questões do Censo. Eliminaram informações sobre a agricultura familiar (campesinato), que gera mais 70% dos alimentos. Foram retirados dados da agricultura orgânica e também parte sobre o uso de agrotóxicos (agora chamados pomposamente de “produtos fitossanitários”), além das perguntas sobre recursos hídricos dentro dos estabelecimentos rurais e a condição de trabalho temporário no campo.
Na verdade são mais de 70% nos alimentos da cesta básica do brasileiro produzidos pela agricultura familiar. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) produz suas pesquisas próprias: “Quem produz o que no campo: quanto e Onde II”.
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